O Perigo das Safras, por Eduardo Araújo
Porque um grande vinho de um ano péssimo pode não ser uma Barganha

Quando se trata de vinhos finos, nomes como Petrus, Mouton Rothschild, Lafite ou Château Margaux evocam imagens de sofisticação, história e, claro, preços astronômicos. A tentação de encontrar uma garrafa dessas a um preço aparentemente “barato” pode ser irresistível, especialmente se for de safras entre as décadas de 1950-1980. No entanto, o que parece uma pechincha pode se revelar uma armadilha, particularmente quando falamos de safras consideradas muito ruins.
Vinhos de anos difíceis, como 1978 em Bordeaux, são compras muito arriscadas hoje em dia, já que a combinação de condições climáticas desfavoráveis, técnicas de vinificação menos avançadas e o envelhecimento prolongado tende a resultar em vinhos diluídos, amargos ou simplesmente “mortos”.
Nas décadas de 1950 a 1980, a viticultura e a enologia ainda não contavam com a precisão tecnológica que temos hoje. Chuvas excessivas, geadas, calor extremo ou outros problemas climáticos podiam devastar uma safra, e os produtores tinham ferramentas limitadas para mitigar esses impactos.
Em Bordeaux, por exemplo, safras como 1963, 1965, 1968, 1972, 1974, 1977 e 1979 são notoriamente fracas. Chuvas persistentes ou verões frios resultaram em uvas com baixa maturação, taninos verdes e acidez desbalanceada. Em regiões como a Toscana, safras como 1972 ou 1976 sofreram com problemas semelhantes, enquanto na Borgonha, anos como 1973, 1974 e 1977 produziram vinhos duros ou diluídos e pouco expressivos. Mesmo no Piemonte, safras difíceis como 1976 e 1977 para Barolos geraram vinhos que careciam de estrutura para envelhecer bem.
Naquela época, a vinificação era menos controlada e tínhamos menos possibilidades de mitigar esses efeitos. A seleção rigorosa de uvas, comum hoje, nem sempre era praticada. Fermentações mal controladas e técnicas rudimentares no cuidado das barricas podiam acentuar defeitos em safras já comprometidas. Além disso, a má conservação ao longo de décadas – onde o vinho pode trocar de mãos diversas vezes e passar por temperaturas e transportes inadequados – aumenta o risco de deterioração.
Um Petrus de 1987, por exemplo, pode parecer uma oportunidade única por um preço mais acessível que o de safras lendárias como 1982 ou 2000, mas é provável que o vinho esteja magro, cansado e com taninos ásperos, resultando em uma experiência decepcionante.
Por que, então, esses vinhos ainda aparecem no mercado? Muitas vezes, eles são vendidos por colecionadores ou leiloeiros que sabem que o nome do produtor, o rótulo específico, carrega prestígio, mesmo em safras ruins. Um Mouton Rothschild de 1977 pode custar significativamente menos que um de 1982, mas o que parece uma economia é, na verdade, um risco alto.
Esses vinhos raramente entregam prazer sensorial, e a chance de encontrar uma garrafa bem preservada é mínima. Mesmo em safras ruins, grandes produtores podiam fazer vinhos decentes, mas esses eram exceção, não regra, e exigiam condições de armazenamento impecáveis para sobreviverem todas essas décadas.
Além disso, vinhos de safras ruins envelhecidos por décadas são mais suscetíveis a problemas como oxidação ou falhas na rolha, o que amplifica o risco.
Isso não significa que todos os vinhos antigos de safras difíceis sejam imbebíveis. Alguns, especialmente de produtores de elite que já investiam em qualidade, podem surpreender, mas essa aposta pode custar caro e trazer decepção, apesar das fotos tiradas.
Para o consumidor, a lição é clara: pesquise a safra antes de comprar. Sites como Wine-Searcher ou guias como os de Robert Parker e Jancis Robinson oferecem avaliações detalhadas de safras por região e ano, entenda o gosto e paladar de cada um deles e analise se combina com o seu.
Em vez de caçar “barganhas” em safras problemáticas, considere investir em vinhos de safras medianas ou boas de produtores menos famosos, ou até em vinhos mais jovens de grandes nomes. Um Despagne-Rapin de uma safra sólida como 2005 ou um Barolo de um produtor respeitável como Brovia de 1999 provavelmente oferecerá mais prazer e consistência.
No mundo dos vinhos icônicos temos muita imagem, rótulos que geram likes, mas no fundo podem ser um investimento equivocado. Se a ideia for impressionar seu paladar e não decepcionar seu bolso, todo cuidado é válido.
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Sobre o autor

Eduardo Machado Araujo
Certified Sommelier - Court of Master Sommeliers
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