Uma Vida Bem Vivida, por Denise Evangelista
Vem ganhando, cada vez mais espaço, a ideia de que a expectativa de vida tem aumentado com o passar dos anos. Na reportagem para a BBC Future, Amanda Ruggeri fala sobre esse assunto. Ela nos diz que “nas últimas décadas, a expectativa de vida aumentou significativamente em todo o mundo. Quem nascesse em 1960, quando as Nações Unidas passaram a compilar dados globais, poderia esperar viver até os 52,5 anos de idade. Hoje, a média é de 72.” E que “no Brasil, o salto foi ainda maior, de 48 para os atuais 75,5 anos.”
De acordo com Ruggeri, o historiador Walter Scheildel, da Universidade Stanford, um dos principais nomes sobre a demografia da Roma Antiga, diz que “há uma diferença básica entre expectativa de vida e tempo de vida". E que “o tempo de vida dos humanos — oposto à expectativa de vida, que é uma construção estatística — não mudou muito, até onde eu sei.” Ou seja, embora se diga que os avanços da medicina e da tecnologia tenham contribuído, em muitos aspectos, com a saúde de um modo geral, essa ideia de que o tempo de vida humano aumentou significativamente ao longo dos milênios, é uma ideia errônea. Na realidade não estamos vivendo mais do que os gregos, na Grécia Antiga. O que está acontecendo é que mais de nós está alcançando idades mais avançadas. Entretanto, “em setembro de 2018, o governo britânico confirmou que, pelo menos no Reino Unido, a expectativa de vida parou de aumentar. E esses ganhos também estão diminuindo em todo o mundo”, afirma Ruggeri.
Mas a pergunta que nos interessa aqui não é o quanto estamos vivendo a mais do que os nossos antepassados, mas como estamos vivendo. Gosto, de vez em quando, de lavar a louça ouvindo podcasts. Descobri um, este ano, que se chama Tantos Tempos. A psicóloga Candice Pomi termina sempre com a mesma pergunta: “o que é uma vida bem vivida?” Os entrevistados apresentam as mais diversas perspectivas sobre o que é ter tido uma vida, que possa ser considerada bem vivida. Fiquei pensando a respeito o que, para mim, seria uma vida bem vivida. Cheguei à conclusão de que aquilo que torna uma vida cheia de significado ou “bem vivida” não é a quantidade de conquistas, aventuras e experiências que se teve. Não é o que nos acontece, nossas realizações socialmente valorizadas ou qualquer sinal externo de poder que diz se uma vida foi bem ou mal vivida. Para mim, não é tanto a pluralidade das experiências, mas antes, a capacidade de experimentar cada momento, bom ou ruim. Não é a quantidade de experiências, mas a capacidade de senti-las.
No conto Perdoando Deus, de Clarice Lispector, logo no primeiro parágrafo, encontramos uma personagem em seu passeio. E ela nos diz: “Eu ia andando pela avenida Copacabana e olhava distraída edifícios, nesga de mar, pessoas, sem pensar em nada. Ainda não percebera que na verdade não estava distraída, estava era de uma atenção sem esforço.” Estar atenta, mas relaxada, ter a capacidade de estar presente para sentir o instante, cada instante, e sentir-se, é para mim, ir tornando a vida bem vivida. Se, por qualquer razão, ficamos presos ao passado, passamos por períodos depressivos ou estamos ansiosos, tensos, sempre com pressa e atordoados com o excesso de estímulos, dificilmente conseguiremos experienciar o presente.
Apesar de todas as dificuldades, de a nossa cultura nos projetar e nos compelir a agir sempre voltados para o futuro, de vivermos bombardeados de estímulos e notícias, com as quais não conseguimos lidar, pelo escasso espaço que nos concedemos à reflexão, hoje, dispomos de recursos que podem nos auxiliar, a despeito disso tudo, a alcançarmos, um pouco mais, a capacidade de estar no presente. Algumas vezes vamos precisar processar e elaborar dores e questões pelas quais passamos e entender os sinais que a nossa ansiedade manifesta. Talvez, precisemos descobrir como e por que certos padrões de comportamento viraram um repertório inflexível de respostas que damos ao mundo.
Podemos, além disso, tentar diminuir os estímulos, tentar apreciar o silêncio, estar mais próximos da natureza, para que possamos nos ouvir. Auxilia-nos a conquistar a experiência do presente estar com pessoas com as quais nos sentimos tranquilos, felizes e relaxados; pessoas com as quais desejamos ficar. Meditar é também um excelente exercício que, aos poucos, vai nos dando a capacidade da experiência do presente. Esse presente precioso que nos faz sentir vivos, no aqui e no agora.
É quando conseguimos estar aqui, nesse agora, que podemos nos encantar com as belezas que nos rodeiam, sentir e valorizar prazeres. É também essa mesma capacidade que nos permite ficar com a nossa dor, já sem a necessidade de bater em retirada, de fugir a qualquer preço; entender que podemos sentir o que sentimos. É essa capacidade de estar presente que nos proporciona desenvolvermos a habilidade de dar direção às nossas verdadeiras necessidades, fazer escolhas, sem nos perdermos de nós mesmos, respeitar nossos limites e respeitar os limites alheios, experimentar a paz.
E ao final, quando chegarmos ao último minuto, longevos ou não, termos a graça de poder dizer, tive uma vida muito bem vivida, saboreei o PRESENTE, pude sentir cada instante dessa grande aventura.
E para você, o que é uma vida bem vivida?
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Sobre o autor
Denise Evangelista Vieira
Psicóloga formada pela UFSC e em Artes Cênicas pela Udesc. Escreve sobre o universo humano. Quem somos e em quem podemos nos tornar? CRP 12/05019.
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