Jumilla mostra a essência do Mediterrâneo, por Eduardo Araújo

Talvez você nunca tenha ouvido falar em Jumilla, uma região vinícola no sudeste da Espanha, em Murcia e outra das dezenas de regiões espanholas longe do glamour de Rioja ou Ribera del Duero, mas, assim como tantas outras, Jumilla oferece vinhos autênticos, que combinam tradição milenar com uma nova geração de produtores que está revolucionando o modo de ver o terroir e fazer vinhos por ali. 

A história vinícola de Jumilla remonta aos romanos, que plantaram videiras por volta do século II a.C. Mais tarde, os mouros deixaram sua marca com sistemas de irrigação tão importantes que ainda são utilizadas nas vinhas hoje em dia. No século XIX, enquanto a filoxera devastava a Europa, Jumilla resistiu, graças às videiras plantadas em solo com uma boa proporção de areia, seu clima hostil e seu isolamento, e até hoje temos a maior extensão de videiras em pé franco da Europa, essas plantas não enxertadas, que preservaram vinhedos centenários, verdadeiras heranças naturais. Essa resiliência moldou uma região que, por décadas, produziu vinhos a granel, mas que, desde os anos 1990, abraçou a qualidade e a expressão do terroir.

O terroir de Jumilla é o que faz seus vinhos únicos. Situada entre as montanhas da Sierra del Carche e planaltos muito secos, a região tem vinhedos espalhados por 30 mil hectares, a altitudes entre 400 e 800 metros, chegando a 1.000 em áreas mais altas. A amplitude térmica formada por esse clima seco e altitude é impressionante: dias quentes de até 40°C no verão contrastam com noites frescas, caindo para até 10°C. Isso confere frescor e vivacidade aos vinhos dando lindo equilíbrio. Esse mesmo clima seco, com apenas 300 mm de chuva por ano, e os ventos constantes mantêm as videiras saudáveis, livres de pragas e fungos. Os solos, calcários, pedregosos, com camadas de giz e argila, desafiam as raízes a buscar profundidade, resultando em uvas concentradas, com sabores intensos e uma mineralidade marcante. É um terroir que respira o Mediterrâneo sem filtros, estando a apenas 35km do mar.

No coração de Jumilla está a Monastrell, conhecida como Mourvèdre em outros países. Essa uva reina absoluta, ocupando 80% dos vinhedos, e entrega vinhos robustos, com taninos firmes e notas de amora, alcaçuz, ervas selvagens e um toque defumado que remete a especiarias. São vinhos versáteis: os rosés são refrescantes, ideais para um fim de tarde; os tintos, com potencial de guarda e os brancos são surpreendentemente minerais. 

A região vive uma transformação, com novos produtores que respeitam o legado, mas ousam inovar. A Bodega Cerrón, fundada pela família Cerdán, é um exemplo brilhante. Pioneiros na viticultura ecológica desde os anos 80, eles resgataram vinhas antigas e apostam em práticas sustentáveis. Seu projeto Stratum Wines, lançado em 2019, é uma linda homenagem ao terroir, com vinhos de parcelas específicas que refletem a geologia única de Jumilla, sua altitude e seu terroir extremo. Eles mostram que Jumilla pode ser muito mais do que vinhos a granel e que essa mistura única de altitude, clima e solos calcários arenosos podem gerar vinhos que combinam com perfeição a intensidade e notas selvagens da Monastrell com a elegância e linda acidez dos mais finos vinhos do mundo e não só de tintos vive a região, prova disso é o fantástico redescobrimento de uma casta local usada mais para granel e destilação, a Airén, que no rótulo El Cerrico, de vinhas pré-filoxera, traz notas minerais e uma elegância rara.

Provar os vinhos de Jumilla é entender como um terroir drástico pode fazer vinhos únicos.

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