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Como manter a tradição em meio à globalização

Foto: Reprodução

Publicado em 06/09/2018

Raramente imaginamos uma região vinícola que não tenha uma história centenária e até milenar, uma cultura própria, e vinhos que reflitam essas características. Claro que, com o avanço da tecnologia e do gosto pelo vinho, cada vez mais observamos novas regiões se destacando, muitas vezes, do nada, como um oásis no meio de terras que nunca foram utilizadas pra cultivo, muito menos pra criação de civilização e cultura local.

Há algumas semanas, eu participava de uma degustação com um dos mais famosos enólogos americanos, hoje um Flying Winemaker (enólogo consultor em diversos países e projetos de respeito), Paul Hobbs, que produz além de seu projeto homônimo na Califórnia, outros como a Viña Cobos, na Argentina, e foi um dos responsáveis pelo surgimento do que é a Catena moderna. Nessa degustação, falamos muito sobre cultura e terroir. Conversando sobre um de seus novos projetos, Mr. Hobbs retomou a origem de uma uva muito especial pra ele, a Malbec (Cot), da região de Cahors, Sudoeste da França.

Durante o bate-papo, surgiu o tema de que um enólogo americano, com fortes laços na Argentina, especializado em uma variedade que é típica de Cahors, mas ganhou fama e reconhecimento em Mendoza, foi até essa antiga região de origem para criar um novo projeto. Como a “globalização” do vinho trouxe à tona esse tipo de acontecimento e que influências, positivas e negativas, são criadas nesse local.

Hobbs foi claro quando citou que algumas regiões não tão famosas e de pequenos volumes de venda, estão aos poucos morrendo, pois, as novas gerações já não querem ficar naquela vila. Então, o vinho acaba sendo rústico e sem apelo internacional, não havendo um impulso econômico no local. Ele mesmo se perguntou se as novas tecnologias, as novas práticas e as novas ideias seriam uma afronta e contra tudo aquilo que foi criado nas centenas de anos de história daquele local, ou se tudo que ele trouxesse de novo, aliado ao seu poder de marketing e vendas globais poderiam gerar um fôlego ao local, ajudar a comunidade e até mesmo os outros produtores colocando novamente o nome Cahors no mapa do mundo do vinho.

Essa é uma reflexão necessária e polêmica, pois podemos advogar dos dois lados. Os mais puristas falando em perda de identidade, de transformação de estilos de vinhos para mais comerciais e internacionais. É inegável que existe uma ajuda, um empurrãozinho para que, a partir dessa internacionalização, até mesmo os mais resistentes, os que permanecem na raiz, possam prosperar com a carona que pegam nessa onda. E isso acaba mudando toda uma economia com novos restaurantes, hotéis e enoturismo, impulsionando até o retorno de novas gerações que se foram para retornar e tocar projetos familiares que poderiam estar fadados ao fracasso.

Existem bons exemplos de regiões que, a partir da sua fama, abriram as portas para pequenos produtores e para o resgate de métodos e tradições antigas. Vimos essa movimentação em Portugal, com os antigos vinhos de Talha; no Chile, com a recuperação de videiras centenárias da uva País; e o retorno ao foco de regiões como o Jura, na França. A medida certa dessa influência pode trazer resultados positivos para todos os lados, e só temos a ganhar.


Sobre o autor

Eduardo Machado Araujo

Certified Sommelier - Court of Master Sommeliers


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