Argentina moderna, por Eduardo Araujo
O país está ressurgindo com novos produtores e variedades, transformando sua imagem no cenário global dos vinhos
Falar que a Argentina não é só Malbec parece bobo, mas é sempre necessário. Mas, falar que Argentina não é mais o mesmo Malbec de sempre, aquele criado para agradar críticos, cheios de madeira, álcool e fruta doce talvez não seja tão bobo assim.
Durante muitos e muitos anos tenho bebido pouquíssimos vinhos Argentinos, muito menos Malbec. Virou quase uma piada interna, era tudo mais do mesmo e zero terroir. Muita enologia interventiva e vinhos que impressionam na primeira taça mas cansam na segunda.
Bom, isso era o que sempre aparecia por aqui e como meu foco se tornou conhecer novos produtores e regiões fazendo coisas diferentes acabei fazendo vista grossa pros nossos vizinhos que inundam o Brasil com os mesmos rótulos batidos trazidos (e comprados) por criminosos pela fronteira.
Por esse motivo aceitei o convite da Wines of Argentina, órgão nacional que promove o vinho Argentino no mundo, para passar uma semana em imersão com alguns colegas graduados com Diploma WSET no Brasil. Queria conhecer não como um turista, mas como um profissional o que a Argentina tem feito para continuar relevante e se adequar às novas tendências.
Confesso que fiquei impressionado. Vi muita pesquisa, muita ciência e estudo não só de clones, métodos de vinificação e recipientes menos interventivos, mas de clima e solo. Isso ajuda a adequar as centenas de microrregiões que temos dentro da gigante Mendoza e nas outras regiões, incluindo as novas como Buenos Aires, próxima ao mar.
Toda a situação de clima e solo de lá permite uma variação enorme de vinhos, solos heterogêneos se mostram em pequenas parcelas com dezenas de manchas com diferentes profundidades, concentrações de pedras, calcário e areia. A formação dos Andes que jogou e ainda joga todo esse material pra baixo faz com que em metros se note mudanças importantes e as vinícolas têm percebido isso, escolhendo manejar cada parcela de maneira diferente.
Aliado a essa situação temos as diferentes altitudes de Maipu até as partes mais altas de Agrelo ou Altamira, com vinhedos chegando a mais de 1.500m de altitude, isso faz com que na Argentina se andarmos 60-70 km em linha reta temos mais mudanças climáticas do que andando 10x mais na Europa. Vamos de climas quentes a frios em cerca de 1 hora de carro e a escolha de uvas e estilos de vinho muda completamente.
Toda essa mudança é moldada também na vinícola com produtores favorecendo concreto, inox e barricas de maior tamanho e diferentes usos, para aportar menos madeira e favorecer a fruta e sua origem. E por fim, novos produtores, muitas vezes jovens que fizeram intercâmbio em outros países e tem ótimas referências de qualidade ou até mesmo profissionais que passaram anos “limitando-se” dentro de famosas vinícolas e resolveram montar projetos próprios autorais de menor produção e muita qualidade.
E por fim o renascimento de variedades esquecidas, não só a já famosa Cabernet Franc que encontrou um lar incrível em Gualtallary e seus solos calcários, mas também as antes relegadas a produzir vinhos de quantidade e neutros como Chenin Blanc, Sémillon e as famigeradas Criollas (Grande e Chica), essas últimas que com merecimento acabaram de ser reconhecidas como uvas para vinhos finos.
Essa nova Argentina já é uma realidade e essas “novas velhas” uvas serão com certeza parte do futuro, tanto que na minha mala, das 12 garrafas que vieram, apenas uma era Malbec.
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Sobre o autor
Eduardo Machado Araujo
Certified Sommelier - Court of Master Sommeliers
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