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Caso Mariana Ferrer: confira repercussão em SC e no Brasil

Foto: Reprodução

Publicado em 04/11/2020

O tratamento recebido por Mariana Ferrer, 23 anos, durante audiência de julgamento do empresário André de Camargo Aranha, acusado por ela, de estupro, provocou indignação de muitas pessoas e a reação de órgãos  públicos estaduais e nacionais. O julgamento foi em setembro, mas somente nessa terça-feira, 03, as imagens foram divulgadas pelo site The Intercept e ganharam repercussão nacional.

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) abriu um procedimento para apurar a condução do juiz Rudson Marcos, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC), na audiência.

O caso ocorreu em dezembro de 2018, em um camarim privado, durante uma festa em um beach club em Jurerê Internacional, em Florianópolis. Mariana tinha 21 anos e era virgem. As únicas imagens recuperadas pela polícia mostram Mariana na companhia do empresário. Ela suspeita que tenha sido drogada e que, por isso, não sabe exatamente o que aconteceu. Nas roupas dela, a perícia encontrou sêmen do empresário e sangue dela. O exame toxicológico de Mariana não constatou o consumo de álcool ou drogas.

O inquérito policial concluiu que o empresário havia cometido estupro de vulnerável, quando a vítima não tem condições de oferecer resistência. O Ministério Público denunciou o empresário à Justiça.

Porém, a defesa do empresário André de Camargo Aranha diz que ele não estuprou Mariana.

Durante o processo, o promotor do caso foi transferido para outra promotoria e o entendimento do novo promotor foi o de que o empresário não teria como saber que Mariana não estava em condições de dar consentimento à relação sexual, não existindo, assim, o dolo, a intenção de estuprar. Essa conclusão do promotor está sendo chamada de "estupro culposo". Aranha foi absolvido.

Na sentença, o juiz Rudson Marcos concluiu que não havia provas suficientes para a condenação - só a palavra da vítima - e que, na dúvida, preferia absolver o réu. A tese de um estupro sem dolo causou espanto, assim como a atuação agressiva do advogado do empresário nas audiências de instrução do processo.

No vídeo de uma audiência do caso, o advogado de defesa, Cláudio Gastão da Rosa Filho, exibe fotos sensuais feitas por Mariana Ferrer quando era modelo profissional, definindo-as como "ginecológicas". Ao vê-la chorar, diz: "Não adianta vir com esse teu choro dissimulado, falso e essas lágrimas de crocodilo."

No vídeo da audiência, a jovem reclamou do interrogatório para o juiz: “Excelentíssimo, eu estou implorando por respeito, nem os acusados são tratados do jeito que estou sendo tratada, pelo amor de Deus, gente. O que é isso?”, diz ela.

O juiz avisa Mariana que vai parar a gravação - a audiência foi feita por vídeoconferência - para que ela possa tomar água e pede para o advogado manter um “bom nível”.

A defesa de Mariana Ferrer repudiou a sentença do Poder Judiciário catarinense e reforçou que só a vítima pode afirmar se houve ou não consentimento, não o promotor ou o juiz.

A Corregedoria Nacional de Justiça abriu investigação sobre a conduta do juiz Rudson Marcos durante audiência no processo.

O Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH) declarou que manifesta-se em veemente repúdio ao termo "estupro culposo" e que vai acompanhar os desdobramentos dos recursos apresentados pela vítima. O Ministério disse ainda que acompanha o caso desde 2019 e que já enviou ofícios ao Conselho Nacional de Justiça, ao Conselho Nacional do Ministério público, à OAB e ao Corregedor-Geral do Ministério Público de Santa Catarina.

No dia 09 de outubro, a Corregedoria Nacional do Ministério Público instaurou reclamação disciplinar para apurar supostas irregularidades da atuação do membro do Ministério Público do Estado de Santa Catarina. A reclamação foi instaurada com base em representação feita pelo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos.

Reações na ALESC

Em sessão virtual dessa terça-feira, 03, da Assembleia Legislativa, deputados de Santa Catarina criticaram veementemente a decisão da Justiça catarinense de considerar estupro culposo um caso de conjunção carnal sem consentimento. “Falar que teve estupro culposo, que estuprou sem vontade. Espera lá, vou falar de um caso antiguinho, da Mariana Ferrer, que disse que foi estuprada numa casa de eventos chic aqui de Florianópolis. Imagine que a Justiça quer dizer que o estupro foi culposo, que (o estuprador) não estava com intenção de estuprar”, ironizou Kennedy Nunes (PSD).

O deputado exibiu vídeo do julgamento, avaliou que a vítima foi desrespeitada pelo advogado do acusado e criticou a postura passiva do juiz e do promotor. “A vítima é escrachada e ninguém ali, nem o juiz, nem o promotor público falou nada, permitiram esse escracho. Meu repúdio total ao advogado, pela ação que fez. E meu repúdio a este fato, tem de acabar com essa vergonheira da Justiça”, disse.

A bancada feminina na Alesc publicou nesta quarta-feira, 04, nota de repúdio.

Confira parte da nota:

"Tendo em vista a reportagem do caso Mariana Ferrer, amplamente divulgada pela mídia local e nacional, presenciamos um verdadeiro massacre ético e moral de uma mulher que buscou amparo no Judiciário para um caso que ficou notório nacionalmente. Não seria novamente tema se a agressão à vítima - já que a audiência foi devidamente filmada - não fosse praticada dentro do próprio Judiciário.

Não se trata somente do primeiro crime denunciado, mas do outro perpetrado pelos entes da Justiça, o advogado de defesa, o magistrado e o promotor de Justiça, este último que possuía o dever de defender a vítima. Omitindo-se também se comete ilícitos.

Aquele que cometeu o ato em si, o agressor foi o sr. advogado de Defesa, que humilhou de tal forma a vítima que passou de todos os limites de ética, causando dano e repulsa a todos que assistiram, quiçá a ela. Qual o limite para uma atuação dentro do Judiciário? Até que ponto uma audiência se torna tão cruel que se assemelha a tortura?..."

Ministro do STF se manifesta sobre o caso

O ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes se manifestou sobre o caso em uma rede social: "As cenas da audiência de Mariana Ferrer são estarrecedoras. O sistema de Justiça deve ser instrumento de acolhimento, jamais de tortura e humilhação. Os órgãos de correição devem apurar a responsabilidade dos agentes envolvidos, inclusive daqueles que se omitiram".

Noda da defesa do acusado

Em nota, o advogado Cláudio Gastão da Rosa Filho disse que "André de Camargo Aranha é inocente da acusação de estupro, acatando a alegação final do Ministério Público e a tese da defesa para que fosse julgada improcedente a denúncia contra André Aranha.


Clique AQUI para conferir o vídeo da audência e a reportagem publicados pelo The Intercept Brasil.


Da redação