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Reflexões sobre o Tempo - O Tempo em Nós

A 'seta do tempo', conceito da termodinâmica, revela como percebemos a passagem do tempo a partir da memória, da irreversibilidade dos corpos e da organização interna da nossa experiência. (Foto: @silviaalcantara.ai)

Publicado em 27/04/2025

O tema “tempo” é fascinante e, embora saibamos, a partir de Einstein, que ele é relativo à velocidade do corpo e à densidade gravitacional, a cultura hegemônica ocidental o percebe como um fenômeno evolutivo constante e possuidor de uma direção.

Tenho a intenção de aprender mais sobre as muitas concepções sobre o tempo,  mas hoje gostaria de abordá-lo, não sob a perspectiva da transformação dos nossos corpos, tampouco por meio de uma visão do tempo como um ciclo  que vai do nascimento à morte. Também não vou partir da ideia do tempo como um ciclo que compreende um começo, um meio e um re-começo, como aprendi esses dias, ouvindo a fala do quilombola Nego Bispo, no podcast 451 MHz. Quero abordá-lo a partir da noção de “seta do tempo” da termodinâmica,  relacionada à nossa percepção. 

A apreensão psicológica do tempo está relacionada a fatores como memória, prazer, desprazer, interesse etc. Assim, na nossa percepção, o tempo parece passar mais rápido quando estamos fazendo alguma coisa de que gostamos e muito devagar, quando a experiência nos parece penosa. 

Na termodinâmica, a  “seta do tempo” se refere à entropia, um princípio que afirma que num sistema fechado,  a desordem tende a aumentar, ou seja,  que há uma irreversibilidade dos processos físicos;  ideia que se refere à física, portanto aos corpos, incluindo o nosso.  Por exemplo, quando um copo cai e quebra, ele não retorna à sua integridade. Do ponto de vista psicológico, é a percepção desses processos de irreversibilidade dos corpos que nos dá a impressão de que o tempo anda de trás para frente.

Para Alberto Casas Gonzáles, professor de Investigação no Instituto de Física Teórica (IFT) da Espanha, “A percepção psicológica mais poderosa sobre o tempo é que, ao contrário do espaço, ele flui.” (CNN Brasil, 18.06.24). Nós percebemos o tempo entre passado, presente e futuro — o tempo passado compreendendo eventos que já não existem mais e o futuro compreendendo eventos que ainda não aconteceram. Dos três, o presente, tão fugaz, é o único que parece realmente existir. Essa é, segundo González,  uma ilusão que se dá pela chamada “seta do tempo”, caracterizada por um princípio da termodinâmica, ao qual me referi acima. 

A partir dessa noção, de que o tempo parece se mover numa determinada direção (“seta do tempo”),  podemos  tentar compreender como ele se manifesta em nós mesmos. González nos diz: “O mundo está repleto desses vestígios do passado: crateras na Lua, fósseis, construções humanas e assim por diante. Pela mesma razão, relacionamos os registros em nosso cérebro (nossas memórias) a eventos passados que os 'causaram'” (idem, 24). E é isso que produz a sensação psicológica de que viajamos no tempo para o futuro: do passado (com baixa entropia) porque possuímos registros e memórias abundantes, o que confere psicologicamente uma certa organização, para o futuro (com alta entropia) sem registros,  incerto e portanto sem uma organização possível. 

Nesse sentido, pensando na história da humanidade e observando o comportamento humano, bem como personagens da ficção, olho para o tempo como um “senhor acumulador”. Em todas as épocas e em diferentes culturas conquistamos conhecimento,  desenvolvemos tecnologias, imprimimos valores, crenças, hábitos e  costumes. Se olharmos hoje para o mundo,  talvez possamos ver que, de alguma forma, todos os tempos nos são contemporâneos. Estão (estamos), lado a lado, através das mais variadas formas de existir no mundo, com visões e comportamentos “nascidos” ou predominantes em determinados momentos da história. Nesta perspectiva, o tempo não passou, foi se acumulando. Para a teoria da relatividade,   o tempo não é absoluto, mas relativo e dependente tanto do movimento do observador, como da densidade gravitacional.  O conceito de “seta do tempo psicológico” é relativo à experiência do tempo de cada um, de acordo com as suas referências e não sobre um tempo que flui por si. 

Mas o que me parece mais interessante é que não se trata de um acúmulo relativo apenas ao passado, numa perspectiva evolucionista, com uma única direção. Ele, o tempo,  traz e sempre trouxe o que ainda estaria por vir. Considerando o tempo como manifesto em nós, vemos, particularmente em personagens históricos e em pessoas anônimas, quando estas trazem para o mundo algo novo e diferente do que até então conhecíamos. 

Todos esses tempos, representados por cada um de nós, parecem “andar para frente” sempre que aprendemos alguma coisa nova ou aprofundamos um conhecimento e tornamos isso parte de nós. Dessa forma,  ampliamos o nosso repertório e as nossas referências,  ao mesmo tempo  em que assumimos nossos tempos pretéritos: tudo que fomos como indivíduos e como espécie em direção ao que ainda não somos. 

Sob esse enfoque, o tempo teria muito mais a ver, não com algo que passa fora de nós ou mesmo nos nossos corpos, mas que se realizaria através de nós, e que estaria relacionado à memória, ao conhecimento que adquirimos e que compartilhamos na nossa própria época — que traz em si passado e futuro — e também ao que fazemos, a partir disso. Visto dessa maneira, o tempo é uma “entidade” que depende da nossa aprendizagem individual e  coletiva para que, juntos, possamos inaugurar um novo tempo.

 

 

 

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Sobre o autor

Denise Evangelista Vieira

Psicóloga formada pela UFSC e em Artes Cênicas pela Udesc. Escreve sobre o universo humano. Quem somos e em quem podemos nos tornar? CRP 12/05019.


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