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Verdades que roubam prazeres, por André Vasconcelos
Saber demais pode atrapalhar a felicidade? Um texto saboroso que mistura filosofia, comida e humor ácido

Verdades que roubam prazeres, por André Vasconcelos
Um texto divertido e filosófico sobre o preço emocional de saber demais, especialmente quando se trata de comida. (Foto: Divulgação)

Publicado em 26/06/2025

"Imagine se todas as pessoas do mundo pudessem ter livre acesso a todo conhecimento humano." (Jimmy Wales, fundador da Wikipédia).

Utopia que aos poucos pode se tornar uma realidade, também devido à Wikipédia, uma enciclopédia multilingue livre colaborativa, ou seja, escrita internacionalmente por várias pessoas comuns de diversas regiões do mundo, todas elas voluntárias.

Aliás, a internet é uma biblioteca pública onde encontramos todo o luxo e o lixo do conhecimento, de informações falsas a várias verdades absolutas.

Além de uma universidade de profissionais pós-graduados e doutorados nas mais diversas áreas, inclusive a medicina como vivenciamos na pandemia, o mundo digital criou um mundo paralelo em que muitos vivem uma verdade particular.

Ah, doce previsão do Sr. Wikipédia do livre acesso a todo conhecimento humano!
Em contraponto a esse pensamento de Jimmy Wales, o Sr. Wikipédia, diz um ditado chinês: o conhecimento é o maior inimigo da felicidade!
Demorei anos para absorver o real significado deste ditado chinês.

Parêntese técnico: sempre me intrigou o porquê os chineses criam tantos ditados. E o porquê dos ditados chineses serem sempre criação de chineses anônimos.
Será por terem vergonha de assumir a autoria de alguns ditados muito idiotas?
Ou quem sabe devido a idiotas do mundo inteiro que criam ditados idiotas e, por vergonha, dão crédito a esses ditados idiotas aos chineses... Será?

Bem, mas quanto ao ditado que diz que o conhecimento é o maior inimigo da felicidade, encontrei um sentido sendo ditado chinês ou não.
Quem não toma conhecimento de resorts em ilhas paradisíacas ao redor do mundo, não sente a menor tristeza por não poder visitá-los e acha o máximo um fim de semana em Mongaguá ou em Imbé na casa “de veraneio” de um parente distante!

Alguns que não têm ideia do que é ar-condicionado não sentem a menor tristeza por não poderem se refrescar com um destes aparelhos, mesmo morando em uma savana com calor escaldante no meio do território africano.
Um leque ali é sinal de nobreza!

Se o ditado for levado para a gastronomia então, vira uma certeza!
Para quem gosta: qual o sentido da vida sem o foie gras?
Para quem não conhece: o que leva uma pessoa a comer o fígado lotado de gordura de uma ave migratória?

Para quem gosta: o que substitui a sensação de degustar uma tenra vitela?
Para quem não conhece: comer bezerrinho recém-nascido... que nojo!!!

Para quem gosta: ir às nuvens com um escargot bourguignon!
Para quem não conhece: lesma??????????????????????

São infinitos os exemplos a serem citados, mas com uma única certeza: o conhecimento nos torna mais exigentes e, muitas vezes, mais tristes por não ter acesso fácil a muitas iguarias.

Tudo na vida dá ré, até o foguete do Elon Musk fez dar ré, a única exceção é o conhecimento, esse não dá ré…
E o conhecimento gastronômico, o prazer de descobrir novos sabores, esse não dá ré mesmo.

Sal, por exemplo, até muito pouco tempo para mim era só sal para salgar.
Estudei, experimentei, testei, conheci e achei vários sabores de sal, que a princípio é o mesmo cloreto de sódio do sal Cisne que frequentava a cozinha da minha mãe.

Conheci o sal negro do Hawaii, crocante e levemente defumado; o de coral da Austrália, vermelho e com cheiro de mar; o sal kala namak da Índia com sabor que lembra a gema de ovo; o sal rosa do Himalaia com sabor metálico e tantos outros.

E o que dizer das bochechas e línguas de bacalhau???
Quantos sabem que o bacalhau tem bochechas e línguas com texturas maravilhosamente adoráveis quando cozidas com arroz, leite e ervas??

E o que dizer do café Kopi Luwak, o café mais caro e raro do mundo cujos grãos são recolhidos das fezes de um animal da Indonésia, o luwak?

E temos um similar nacional, o Jacu Bird, produzido com as sementes do café recolhidas das fezes desta ave, o Jacu, um autêntico cagão brasileiro.

Conheci, provei e gostei deste café que, devido a sua origem levemente estranha, seria mais apropriado usarmos, ao invés do guardanapo imaculadamente branco, um bom papel higiênico. Afinal, o café é, literalmente, defecado!

Como explicar ser feliz tomando café com tal origem?
Conhecedores dizem que o aparelho digestivo não altera em nada a composição dos grãos de café…
Tanto o luwak quanto o jacu têm a capacidade de escolher os melhores grãos, por isso temos o melhor café!

Como explicar para o sitiante interiorano que torra o seu café até reduzi-lo a um carvão amargo e escuro, que um café, comido e cagado, é muito mais saboroso que o dele tratado com tanto carinho, e muitíssimo mais caro?

O fato é que o conhecimento nos torna mais exigentes, mas tudo tem um limite.
E ser feliz, gastronomicamente falando, é reconhecer esse limite.
E o reconhecer esse limite é algo absolutamente pessoal.

Particularmente, tenho um eno-paladar que chega a vinhos de U$ 50 no máximo, portanto, de nada vale para mim brindar com um Châteaux Pétrus.
Mas tenho certeza que, se me dedicar à enologia, aprenderei a apreciar e compreender o porquê do vinho Pétrus, da região do Pomerol na França, vale quase R$ 50.000,00 — e serei menos feliz por não poder bebê-lo nos meus jantares especiais.

De exemplo em exemplo posso ocupar páginas e páginas de divagações.
E, divagações à parte, o conhecimento tem um valor inestimável, mas o discernimento ainda é nosso bem mais valioso.

Mas o maior valor do conhecimento é extrair sabores que nos dão prazer nas coisas mais simples, usando e abusando das técnicas que o conhecimento nos traz.
… e traz com “z” pois é uma conjugação do verbo trazer e não um advérbio de lugar que é com “s”... coisas que o conhecimento nos traz.

 

 

 

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Sobre o autor

André Vasconcelos

André Vasconcelos

Cozinheiro raiz e autodidata, hoje no comando de sua Cozinha Singular Eventos e d'O Vilarejo Hospedaria e Gastronomia, onde insumos e técnicas são a base de cardápios originais e exclusivos... e aprendiz de escritor também!


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