“Aos mestres com carinho”, por André Vasconcelos

Gosto de comer bem e frequento muitos restaurantes, mas nem sempre foi assim!
Não que eu não gostasse de comer bem, mas, quando jovem e estudante, não tinha subsídios para tal... sim, já fui jovem e estudante!!!
Surgiu daí a brilhante ideia de “copiar” essas receitas para fazer em casa, e assim começou minha história na cozinha: necessidade e curiosidade… e também uma forma de conseguir uma diversão noturna com uma “cocota” esfomeada!
Gostava, e gosto, muito dos pratos com a “cara” de São Paulo dos anos 80, e minhas incursões gastronômicas começaram com a torta de galinha do Ritz, as quiches do Charlô, a lasanha do Longchamp, os pratos do Wlady Soares que recheavam o cardápio do Spazio Pirandello, as massas do Piolin e tantos outros lugares que não seria de “bom tom” citar aqui, tipo “prefiro não comentar”, mas prestava muita atenção nos pratos e seus detalhes para mais tarde copiá-los.
E hoje, encontro em cardápios ditos de vanguarda, esses pratos clássicos, não só os da minha juventude, mas também clássicos de fato ou clássicos criados por chefs renomados que, por sua originalidade e genialidade, já são clássicos!
Nada contra! Inclusive eu lanço mão deste artifício, mas o que sinto é que a maioria dessas “criações”, não passa de um lamentável “déjà vu” com muitas tentativas mal sucedidas, com infindáveis execuções lamentáveis e raras cópias fidedignas.
Pratos assim geralmente são apresentados no cardápio valorizando uma receita conhecida, um restaurante conhecido, um chef conhecido e até pessoas oportunistas alçadas à conhecidas, as neo-celebridades, quase sempre precedidas de alcunhas como: “em homenagem à”, “inspirado em”, “seguindo a tendência de”.
Nunca o tal homenageado é um Zé Ninguém, até porque o foco dessa ação é vender, virar notícia ou criar polêmica, estratégia de marketing que torna a gastronomia atual em um “case” publicitário e não na prática da arte culinária.
Mas voltando ao foco gastronômico, nada mais prazeroso que um prato bem feito – clássico, cópia ou criação – com carinho, técnica e alma. Eis a diferença de um cozinheiro de forno & fogão e um chef de biblioteca, de laboratório, copista, “by” redes sociais ou um mero invejoso!
Sinceramente acho que em gastronomia o que é bom é para ser copiado, e me orgulho de ter copiado, experimentado e reproduzido fielmente alguns pratos de alguns mestres, e me dado o direito de alterar alguns sem nenhum pudor.
Tenho orgulho também de ter sido copiado, tanto pelos talentosos quanto pelos invejosos, pois para ser copiado é necessário criar, e crio melhor que copio.
Da obra do Laurent Suaudeau copiei uma mousseline de mandioquinha com ovas de salmão e caviar, uma mistura harmoniosa de sabor, cor e textura perfeita, e na minha adaptação, a manteiga de trufas Sapucay, trufa genuinamente brasileira que confere um perfume único.
Do mesmo Laurent veio a receita do clássico creme brulée que sirvo: a mais equilibrada de todas que provei, e a mais simples também.
O creme de funghi em crosta, criação memorável do Luciano Bossegia quando no comando da cozinha do Fasano, é figurinha carimbada em muitos dos meus cardápios.
Em 1994 a Revista Vogue publicou uma série especial com os Grandes Chefs, e no tomo protagonizado por Luciano estava esta receita, com o mesmo sabor da primeira vez que experimentei... fui às nuvens.
Nesta mesma edição, outra receita maravilhosa do glamoroso Fasano da Haddock Lobo: o peito de perdiz com polenta.
Esta tentei reproduzir sem sucesso, beirando o desastre... nem todas acertamos.
Copiar ou adaptar receitas clássicas merece respeito e uma boa dose de licença poética: o que seria do cardápio sem algo “a Rossini”, algum “chateaubriand” ou uma mera mayonnaise, (não maionese Hellmans)?
São receitas com nome e sobrenome, ícones da gastronomia! Estas homenagens são parte da história da alimentação tanto quanto as cópias e as adaptações!
Certa vez fui convidado a reproduzir o cardápio do filme “A Festa de Babette”, uma homenagem à cozinha francesa, e dele fazia parte uma sopa de tartaruga!
Ora, como conseguir tartaruga para o Potage à la Tortue?
Tentei em supermercados e mercados, pensei em casas de umbanda, traficantes de animais e saqueadores de zoológicos, mas onde se compra carne de tartaruga?
Resposta: não sei e não tenho o menor interesse em saber!
Só sei que o chef Marc Le Cornec fez uma alquimia com carne de vitelo e ostras para criar uma quenelle cozida no caldo de legumes que resultou em uma sopa de tartaruga fantástica que faria Babette chorar de emoção e a Tartaruga Touche usar luto pela perda do parente... uma cópia perfeitamente adaptada!
Copiar sabores é uma evolução da arte de cozinhar, não só dos grandes estudiosos, mas também das cozinheiras domésticas que com abobrinhas, tomates e muitas folhas de louro, criam o falso camarão que tem sabor de: camarão!
Cópias caseiras vivem nas lembranças infanto-culinárias.
Mais que as cópias, respeito muito as homenagens e as inspirações!!!!
Como conhecer o trabalho de alguns chefs, cozinheiros de alma, sem se inspirar?
Thomas Keller, para mim um dos melhores chefs de hoje, alcança a perfeição de sabores em pequenos detalhes, assim como Carême e Escoffier, detalharam a cozinha para alcançar a perfeição dos sabores.
Como cozinhar sem ter mestres para nos inspirar e um leque de gourmets, gourmands e cozinheiros para homenagear?
E entre minhas inspirações e homenagens surgem todo esse tipo de gente: Mara Salles, Celidônio e os Toigros; Cora Coralina, Raquel de Queiroz e Anthony Bourdain; Alain Ducasse, Shin Koike e Paulo Martins; Ana Soares, Bob Spitz e Roberta Sudbrack; Mari Hirata, Bassoleil e Ana Castilho; Alain Passard, Dan Barber e Jun Sakamoto...
Enfim... preciso de mais espaço para citar todas inspirações e aplaudir todos que gostaria de homenagear... não só os reconhecidos, mas principalmente todas as cozinheiras da minha vida e os amigos da cozinha que sempre me inspiram.
Fica aqui minha admiração aos que copiei e aos que me copiaram e melhoraram o que criei, pois se me copiam, é porque eu também posso inspirar.
Bom apetite!
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Sobre o autor

André Vasconcelos
Cozinheiro raiz e autodidata, hoje no comando de sua Cozinha Singular Eventos e d'O Vilarejo Hospedaria e Gastronomia, onde insumos e técnicas são a base de cardápios originais e exclusivos... e aprendiz de escritor também!
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