Uma boa carta de vinho
Os desafios de se manufaturar uma carta de vinho hoje em dia são muito interessantes. São tantas variáveis que tenho que levar em conta que tem dias em que simplesmente elas “não saem”, pois a cabeça não está no clima. Devemos obedecer algumas premissas, como o estilo do local e da cozinha, preço médio, localização, para depois pensar sobre o tipo de cliente, o gosto do proprietário, a técnica da equipe de serviço, as modas do momento no mundo do vinho e, logicamente, canalizar tudo isso para o nosso conhecimento e disponibilidade de vinhos e um pouco do nosso gosto, se estiver de acordo com o restante desses pontos.
Logicamente não são todos os estabelecimentos no Brasil que precisam de uma carta cheia de novidades, altamente elaborada e que seja extensa. Na maior parte do tempo isso só vai atrapalhar as vendas e afugentar o público em geral. Algumas casas focadas no vinho pedem coisas diferentes e autorais e é aí que entra o quebra cabeça. Primeiramente, penso que cada vez mais precisamos de menos, ou seja, foi-se o tempo das cartas de vinho com 300 rótulos e até milhares como já vi alguns se autopromovendo (quando fui ao local tive que pedir oito vinhos diferentes para achar um que realmente tinha no estoque). O cliente, e muito menos o restaurante, não quer ficar quinze minutos parado folheando páginas e mais páginas para achar um vinho, isso sem falar em estoque parado e todas as outras dificuldades. Uma carta mais enxuta é viável na maioria dos lugares. Lógico que algumas enotecas e restaurantes de maior porte podem se dar ao luxo e até já faz parte da sua mística algumas exceções.
Uma das coisas que mais chama a atenção nas cartas é a moda do momento. Primeiro tínhamos os clássicos Bordeaux, Borgonha, Toscana e Champagne com preços acessíveis à época e todos conheciam os nomes. Mas, esses vinhos começaram a ficar extremamente caros e isso foi passando, e novas regiões foram surgindo. Junto com as novas regiões também surgiram críticos, pontos e rankings e isso se tornou uma febre. As cartas passaram a vender pontuações e rótulos famosos. Por um lado é compreensível que em meio a tantos rótulos existisse uma enorme confusão e que os críticos começassem a nos falar o que beber. O problema é que os vinhos começaram a se tornar muito parecidos e com gosto uniforme, seja ele produzido em Bordeaux ou Maipo.
Entra então a fase que acredito que está iniciando no Brasil e, ainda bem, já está indo embora na Europa e nos Estados Unidos. Dos vinhos com uma história “bonitinha” por trás, feitos por pequenos produtores, em pequenas quantidades, em regiões até então desconhecidas ou em um cantinho daquela região famosa saindo das mãos de um artesão de maneira natural. Como diz o Master Sommelier, Geoff Kruth, que me inspirou nesse tema: “Essa era está entrando em colapso, pois esquecemos de nos perguntar se esses vinhos têm gosto bom.” E os consumidores e “mentes sãs” começaram a se revoltar contra essa tendência exagerada.
E como eu gosto de pensar quando produzo as cartas de vinho, Geoff também acredita que a nova fase é achar bons produtores do mundo inteiro, deixando um espaço para experiências diferentes, mas simplesmente focando em bons vinhos, feitos de maneira correta pela grande empresa ou pelo pequeno e descolado produtor natural. Vinhos que reflitam a variedade e seu local de produção. Praticamente um pouco de cada fase, mas com a evolução do tempo e do conhecimento.
Sobre o autor
Eduardo Machado Araujo
Certified Sommelier - Court of Master Sommeliers
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