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Politicamente o quê?

Foto: Reprodução

Publicado em 04/05/2016

O personagem ‘O vagabundo’ do filme ‘Tempos Modernos’, de Charles Chaplin, quase pereceu ao mundo industrializado e moderno. O que pensaria ele então dos nossos tempos modernos, onde as máquinas são as coisas mais fáceis de se entender? Regras, limites, cotas, posturas, absolutamente tudo tem que ser normatizado segundo padrões ditados por uma sociedade doente e preconceituosa fantasiada de justa.

Já não somos mais quem somos, somos o que temos que parecer ser. Vivemos personagens prestes a serem desmascarados depois da quarta taça de vinho quando começamos a ficar etilicamente verdadeiros. Nada está mais no seu lugar, ou melhor, tudo passou a ter o seu lugar e nós, pacatos cidadãos, temos que decorar e aceitar essas regras que nos enfiam goela abaixo.

Dá até medo de escrever sobre isso, pois certamente algum “ser” politicamente correto me taxará de xenófobo ou racista por tentar descrever esses tempos modernos. Quem pode ser correto taxando Monteiro Lobato de racista? Só quem leu Monteiro Lobato com olhar preconceituoso! Com seus personagens brinquei da cabra-cega, chapinhei poças, cacei com Pedrinho, mudei de tamanho, reformei a natureza, reinei com Narizinho e me deliciei, ah, como me deliciei com as deliciosas estórias da Tia Nastácia.

E o que dizer dos quitutes da Tia Nastácia? Negra, cozinheira, prestimosa e feliz na sua condição de membro daquela família. Veem preconceito até nas entrelinhas das fábulas contadas por ela, que mais feliz ficava a cada conto que contava e a cada prato que servia. O que há de racista ou preconceituoso nesta relação?

Tia Nastácia representa o conforto, o aconchego o carinho caipira que une todos à volta de panelas aromáticas, e é, sem dúvida, a personagem que mais representa a sabedoria popular com suas narrativas repletas de folclore brasileiro, onde a Cuca e o Saci tomam o lugar dos heróis de Hans Staden dos contos lidos por Dona Benta. Suas receitas são de uma simplicidade de dar inveja a qualquer um que se intitule cozinheiro e dizem alguns historiadores, que elas vêm do livro de receitas de Dona Purezinha, esposa de toda uma vida do escritor.

Em seus livros, as receitas não eram detalhadas e tinham poucas informações de como executá-las, mas como dizia Tia Nastácia, personagem que fazia uso delas: “Receita, dou; mas a questão não está na receita – está no jeitinho de fazer”. Algumas delas me encantam os nomes e as formas de preparo...

“Ventinho: 3 pires de polvilho azedo coado, 1 prato raso de fubá mimoso, 1 de açúcar, 1 de banha; depois de amassado com leite espremesse em um pano”... e é só!

“Lembrança: 5 pires de polvilho, 1 de farinha de trigo, 1 de banha, 6 ovos, açúcar quantum satis (latim que era usual em algumas frases), sal idem; mistura-se, amassa-se, forno brando” ... e arrisque fazer para saborear essa lembrança.

“Tijelinhas: 3 xicaras de açúcar, 8 gemas, 4 claras, 1 coco ralado, 1 colher de manteiga, 2 colheres de farinha de trigo. Formas untadas com manteiga. Forno.” ... e assim poderia encher todas as páginas desse jornal com receitas frugais de uma época em que o preconceito era normatizado por leis, assim como fazem hoje os politicamente corretos lutando por leis que só alimentam o racismo e a xenofobia. E para finalizar, o humor ácido de Monteiro Lobato nos seus últimos dias: “Estou ansioso por verificar, pessoalmente, se a morte é vírgula, ponto e vírgula ou ponto final.”