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Modismos e aforismos, por André Vasconcelos
Os modismos na culinária vão e vêm, mas algumas tendências se tornam clássicos

A gastronomia também segue tendências e modismos. O que é moda hoje na cozinha? (Foto: Divulgação)

Publicado em 07/03/2025

Gosto muito de definições de palavras e expressões que, de tão presente no nosso vocabulário, é até difícil de definir… assim é a moda!

Afinal, o que é moda???

“Moda, por definição, é uma forma de autoexpressão e autonomia em um determinado período e lugar e em um contexto específico, de roupas, calçados, estilo de vida, acessórios, maquiagem, penteado e postura corporal”... nesta definição, falta dar a dimensão da moda nos dias de hoje!!!

Para ser inserido numa sociedade totalmente controlada pela internet, suas redes sociais e seus influencers, seguimos regras, assumimos comportamentos, criamos diretrizes …vivemos para ser aceitos nesta sociedade… e portanto, temos que seguir a moda ditada por essa sociedade!

“Vivemos numa subjetividade narcisista: existir é ser visto, e se você não é visto, você não existe!” concluiu Marilena Chauí!

E para ser visto, temos que estar nos padrões ditados pela moda!

Ou melhor, devemos seguir a moda para existir em tempos conectados… ou não!

E tudo que envolve criação, a moda se faz ainda mais presente!

Não seria diferente na gastronomia!

Na minha profissão crio receitas, reinvento sabores e construo cardápios.

Sou cozinheiro, e como pratico a arte culinária, sinto que sou um pouco artista!

A minha paleta de cores vem dos legumes, frutas e verduras.

As carnes criam as texturas impressas em meus pratos.

Os óleos dão o brilho e os grãos criam uma volumetria áspera e saborosa.

Minhas obras de arte nunca estarão em museus, apesar de já ter cozinhado em alguns museus, mas muitas dessas obras estão marcadas na memória de alguns que sentaram as várias mesas que apresentei meus rabiscos culinários.

E dentro desta vivência gastronômica, como arte que é, a moda se faz presente, invadindo os cardápios de tempos em tempos com tendências, produtos e técnicas.

Algumas dessas modas, com o tempo, de tanto se repetirem, se tornam clássicos.

Algumas dessas modas passam e outras deixam fortes marcas, tanto na alta gastronomia quanto na comidinha do dia a dia!

Nos anos 1980, a moda era o coquetel de camarão na taça de vidro com gelo na base, brilhava guarnecido com o molho rosé, uma mistura bizarra de maionese de vidro com catchup ruim… e para harmonizar, cuba libre, rum do Paraguai com coca-cola, gotas de limão e muito gelo.

No Buffet das festas dançantes dessa época, outra moda era o “sacanagem”: um repolho coberto com papel alumínio onde ovos de codorna, cubos de mortadela, queijo com picles e salsichas eram espetados… uns chamavam esse ícone da baixa gastronomia de “ouriço”.

O estrogonofe, acho eu, surgiu nessa época, e continua moda em muitos eventos, só mudou de classe social!

O steak tartare brilhou na década seguinte, onde comer carne crua era o “supra sumo” da elegância, mesmo algumas socialites afirmando que não iriam usar um colar de pérolas para comer carne crua… era blasé demais!

E não foram poucos os restaurantes que tinham pratos de carne crua totalmente equivocados, tanto no frescor dos insumos quanto no sabor original. Sem dúvidas um dos maiores cozinheiros ditadores de moda foi José Hugo Celidônio.

No salão do seu Clube Gourmet, um dos primeiros restaurantes a ter a cozinha aberta ainda na segunda metade do século passado, já se falava em harmonizar vinhos, em comer carne crua em finas fatias e também nasceu ali o buffet de saladas, moda até hoje em festas de todos os padrões!

Dessa cozinha, modismos se consagraram!

Um deles, o papillote de robalo, onde o peixe era assado envolto em papel manteiga e servido para ser desembrulhado à mesa, e das estórias desse prato virou lenda nas rodas de conversas gastronômicas.

O Zé dizia que o prato foi servido a um casal da alta sociedade carioca no seu restaurante de Botafogo: “Eu estava de longe vendo os dois comerem com o papel, que deveria ter sido retirado… os clientes ainda me chamaram depois do jantar para elogiar a crocância da casquinha”.

Saudades da inteligência e dos modismos de Zé Hugo!

Voltando à moda no Brasil, um marco na gastronomia e dos modismos gastronômicos foi a liberação das importações no início dos anos 1990!

Produtos que até então só quem viajava mundo afora tinha acesso e conhecia seus sabores, passaram a ser encontrados nas prateleiras de empórios e delicatessens.

Daí em diante a moda gastronômica borbulhava com novas modas de cada novo cozinheiro que aos poucos passou a ser chamado de chef.

E com os chefs da moda e modistas, o bizarro tomou conta dos cardápios.

Tomate seco, azeite trufado, creme de aceto balsâmico, cream cheese, tonkatsu, massala, esferificações … tudo temperado e misturado com o chocotone e a palleta mexicana!

O fusion food foi uma moda que veio pra ficar… pra confundir… e para ser uma desculpa para pratos com combinações sem pé nem cabeça!

Aliás, não foram só os alimentos, os chefs também passaram a ser uma criação da moda.

A mim parece que para ser chef da moda, o que menos precisa é saber cozinhar!

A dolmã deve ser de uma cor exótica ou nem existir… pode ser uma camiseta puída, dará mais personalidade ao personagem!

O toque blanche pode ser substituído por um boné.., ou nem existir também… acho que cabelos de chefs da moda não caem da cabeças laureadas desses chefs.

Livros de técnicas e pirotécnicas gastronômicas devem fazer parte do cenário da cozinha do chef.

E essa cozinha deve ser repleta de equipamentos caros e dispensáveis para quem sabe cozinhar: muitos desses equipamentos cozinham sozinhos, bastando ler o manual ou fazer o curso desenvolvido com exclusividade pelo fabricante para todos que queiram gastar muito… muitos custam uma Ferrari.

Enfim, para ser um chef da moda, um curso em uma boa escola de teatro pode ser mais eficaz do que perder anos estudando em escolas de gastronomia.

E antes de ter talento para cozinha, é preciso ter uma boa agência para divulgar o seu talento e genialidade na cozinha.

Cozinhar, considerado por muitos um ato de amor, ao chefs de moda mais parece que
cozinhar é uma estratégia de marketing.

Tudo é moda!!!

Mas pensando bem, certamente sou eu que estou fora de moda!

Bom apetite!!

 

 

 

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Sobre o autor

André Vasconcelos

Cozinheiro raiz e autodidata, hoje no comando de sua Cozinha Singular Eventos e d'O Vilarejo Hospedaria e Gastronomia, onde insumos e técnicas são a base de cardápios originais e exclusivos... e aprendiz de escritor também!


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