Coração materno, por André Vasconcelos
Uma homenagem cheia de memórias, afeto e sabor à figura mais marcante de qualquer vida

Não tem como esquecer que domingo próximo festejamos o Dia das Mães, e, curioso que sou, já pesquisei algumas vezes o porque desse dia ser o Dia das Mães… Consta nos anais da história dos Estados Unidos que a ativista Ann Jarvis dedicou sua vida a disseminar técnicas de higiene e saneamento para evitar a crescente mortalidade infantil nos idos anos 1900.
Ann idealizou também o “Dia das Mães pela Amizade” que tinha como objetivo conectar famílias que tinham lutado em lados opostos na Guerra da Secessão, que dividiu o país em Norte e Sul… quase o que acontece hoje no Brasil com os engajamentos políticos, só que ali lutaram pela liberdade e não para ter razão e poder!
Após sua morte, Anna Jarvis, filha de Ann Jarvis, resolveu homenageá-la escolhendo esse dia para festejar com um almoço de domingo sempre próximo ao aniversário da mãe, dia 9 de maio. No Brasil, essa data foi adotada no primeiro governo de Vargas, porém só foi consolidada durante o governo militar (1964-85)... um decreto ditatorial para festejar a figura mais importante de uma sociedade!
Afinal, mãe é mãe!
Quase um estado de espírito, referência para toda vida!
Vicente Celestino em 1937 compôs a música “Coração Materno” que mais tarde, em 1951, virou filme pelas mãos de sua esposa, mãe de seus filhos. Se a intenção de Vicente era homenagear as mães, o tiro saiu pela culatra!
Uma história bizarra é cantada narrando a saga de um filho que, apaixonado, atende ao pedido da mulher amada que, brincando, pede como prova de amor o coração de sua mãe!
O “Coração Materno” é arrancado do peito da mãe pelo filho aos pés do altar, e ao carregá-lo para presentear seu amor, o “filho da mãe” escorrega e quebra a perna...então uma voz surge “surround” dizendo: “Vem buscar-me filho, aqui estou,vem buscar-me que ainda sou teu!”
É quase uma tragicomédia de uma nora megera se livrando da sogra beata...
Celestino mais tarde compôs: “tornei-me um ébrio na bebida posto a esquecer...”!
Por culpa talvez, tornou-se “O Ébrio”!
Mas eu estou aqui para homenagear, sem bizarrices, todas as mães: você mãe, a minha mãe, a sua mãe, inclusive as mães de alguns congressistas que não souberam educar e ensinar ética aos seus filhos!
Mães sempre presentes para nos orientar, mas nunca têm a certeza do que realmente nós absorvemos da sua dedicada educação!
E, na minha infância, Dia das Mães era data certa no restaurante, afinal, era dia de folga dela, da mãe, da rainha do lar!
E que rainha!
Rainha sem coroa ou com jóias da coroa penhoradas na Caixa, com súditos que só faziam desobedecê-la e um rei que muitas vezes a tratava como criada!
Não se tem notícia de nenhum vassalo que trabalhe mais que essa rainha!
Rainha que lava e passa, rainha que cuida dos filhos, rainha que organiza tudo, mas
acima de tudo, rainha que cozinha...
E voltamos ao restaurante: por melhor que ele fosse, hoje com as memórias de um sexagenário, nenhum cardápio era melhor do que o da rainha-mãe... diferente e festivo, mas não melhor!
Todas referências que tenho, e acho que uma boa parte dos que lerem esse desabafo, tem na cozinha de mãe, referência de afago e de gastronomia!
Dizem que quando uma criança nasce, nasce uma mãe!
Nasce também uma cozinheira, que por menos que cozinhe, ela será sua chef executiva durante bons anos da sua vida!
Nosso primeiro restaurante foi o seio da nossa mãe!
Um self-service maravilhoso, praticamente um ifood particular com um entregador que, além de comida, te dava carinho, banho morno e ainda te colocava para dormir depois!
Em pouco tempo, a papinha entrava no cardápio e trazia a autonomia de uma colher própria, que poderia ser usada para levar o seu menu degustação à boca, mesmo, quando bebês, não tendo noção do que era boca.
Um prato cheio de cores e pedaços cozidos de algo não focado no sabor, mas na saúde, e que tinha como destino principal não a boca de poucos dentes, mas sim o babador, o chão e o cadeirão de madeira com mesa acoplada e sem garçom.
Com a chegada de novos dentes, o feijão amassado com o bife cortado amiúde era apreciado com um garfo começava a nos dar autonomia nutricional!
Com o passar do tempo, passamos a reconhecer cardápios especiais em datas especiais! A cozinheira deixava de ser somente a sua mãe para ter participação especial da mãe da sua mãe, a mãe dos seus primos, talvez a mãe de algum amigo próximo, mas sempre com a presença de alguma filha da mãe que só sabia fazer um prato que se repetia em todos os encontros.
Por mais que a rainha-mãe-cozinheira tentasse harmonizar um cardápio sugerindo o que cada um traria para o almoço de Páscoa, a ceia de Natal ou o aniversário de uma tia-avó-Matusalém, o resultado era invariavelmente desastroso!
E o mais triste para minha mente gulosa e infantil, é que era certo que fragmentos daqueles pratos, desesperadamente especiais, fariam parte do cardápio de casa pelos próximos dias, por que mãe que é mãe, não joga comida fora, é pecado!
Vamos crescendo e adolescendo com um paladar estático e rebelador!
Dizer um “não gosto” era nossa forma de ir contra a tudo que a mãe tentava nos impor, de horários para chegar em casa ao boletim com boas notas!
Uma revolta gastronômica que domina toda adolescência, com raras exceções!
E certamente, eu era uma dessas exceções!
Segundo minha mãe, a única coisa que me atingia como castigo, eram privações gastronômicas... e desde muito pequeno, só chorava quando o bolo caia no chão! E hoje, o cozinheiro que me tornei, tenho como inspiração o aprendizado com minha mãe!
E com a mãe dos meus primos e de algumas mães escritoras, mas sempre uma mãe!
Quando falam em cozinha afetiva como tema do cardápio de um restaurante, o meu adolescente interno se revolta, pois afetividade na comida, cada um tem a sua e não pode ser tratada como uma estratégia de marketing.
A cena de Anton Ego na animação Rattatouile é a síntese do que é comida de mãe: o carrancudo crítico gastronômico viaja no tempo ao provar um prato simples, com o tempero da sua infância!
E nessa viagem, a imagem da mãe está no sabor!
Com esse texto, faço uma “brincadeira” que busca homenagear todas as mães que convivo, em especial a minha, que só convivo na memória... inclusive de sabores!
Feliz Dia das Mães!!!
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Sobre o autor

André Vasconcelos
Cozinheiro raiz e autodidata, hoje no comando de sua Cozinha Singular Eventos e d'O Vilarejo Hospedaria e Gastronomia, onde insumos e técnicas são a base de cardápios originais e exclusivos... e aprendiz de escritor também!
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