Cachaça no prato, por André Vasconcelos
Assim como no vinho, a cachaça deve ser escolhida com cuidado para garantir o sucesso das receitas
“Bebo porque é líquido, se fosse sólido, comê-lo-ia!”
A célebre frase atribuída a Jânio Quadros, seguida à risca por outros caciques, inspira pratos de cozinheiros das mais diversas vertentes.
Destilado ou fermentado, o álcool sempre se fez presente em receitas caseiras, triviais, sofisticadas ou clássicas.
Pode ser no flambar de crepe Suzettes nos salões de restaurantes franceses, como no ferver em chama lenta do vinho para enriquecer molhos que darão vida até em pratos praticamente insossos.
Algumas vezes aparece como conservante, outras como corante, muitas para destacar o sabor, mas sempre conferindo personalidade.
O conhaque, um dos mais antigos dos destilados, talvez o primeiro, e nas panelas, é quase um rei, ao lado do príncipe, o vinho.
Aliás, o conhaque tem a alma de um vinho que nasceu na província francesa de Charente.
Os vinhos da época, em geral muito ruins e muito suscetíveis ao transporte, e nesse trâmite, geralmente eram transformados em vinagre.
Para salvar este líquido quase sagrado, os plantadores de uva e fazedores de vinhos do século XVII, por alguma intervenção divina, ou demoníaca, começaram a destilar esse vinagre para então ser usado como álcool conservante.
Nem assim teve mercado!
E depois de anos guardado em tonéis de madeira, provavelmente algum espertinho procurando novas sensações, resolveu experimentar o alcool… e descobriu um magnífico sabor de aguardente de vinho envelhecida: nascia o brandy, para os que não tem a honra de ser da região de Cognac, na França.
O bom vinho por si só já é um alimento, e é tão importante sua participação na gastronomia, que nas melhores mesas há preocupação em harmonizá-lo com o prato a ser servido.
Não é simplesmente: brancos com peixes, tintos com carnes e, na dúvida, champagne com tudo.
A alma do vinho tem que valorizar a essência do alimento e se complementar como um só sabor.
Quando na panela, a qualidade do vinho é fundamental no resultado da receita.
Leigos dizem: ‘o vinho é tão ruim que só serve para cozinhar!’
Ora, convenhamos, nada que é ruim na origem pode conferir um bom sabor quando reduzido, e digo mais, quanto mais concentrado pior o sabor… de um vinho ruim se transforma em uma redução péssima.
Vinho ruim não serve nem pra fazer sagú!
Assim como o destilado ruim não serve nem para fazer faxina, muito menos para flambar nada.
O flambar não é um mero show pirotécnico e muito menos uma frescura do cozinheiro.
Do francês ‘flamber’, que significa passar pelo fogo, essa técnica pode ser usada para aromatizar ou dar um toque de charme no prato.
O poeta Maiakovski dizia que é melhor morrer de vodka do que de tédio, mesmo, provavelmente, nunca ter provado um tournedo flambado na vodka.
O tedioso mignon ganha personalidade no fogo produzido por essa bebida quase sem sabor e aroma.
Técnicas e bebidas permeiam culturas de povos distantes em busca de mais prazer à mesa.
O cognac francês flamba a carne do strogonoff russo, a vodka russa marina o salmão escandinavo do gravlax, o arenque do mar do Norte é processado em mousse com o champagne francês, e vejam só, até a brasileiríssima cachaça é marcante em alguns pratos regionais como geléias em cubinhos quase transparentes passadas no açúcar fino.
No copo ou no prato, moderadamente, o álcool é um aliado do prazer.
Mas para mim, brasileiro que sou, nada mais representativo que receitas com cachaças, vinhos e outras garrafas alcoólicas, do que a nossa geleia de pinga… que nos anos 1970 era vendida na porta das escolas ao lado do puxa puxa e da queijadinha!
Será que foi essa cachaça da geléia que fez surgir a geração que mudou o mundo e a forma como vemos o mundo???
Viva a Cachaça!!!!
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Sobre o autor
André Vasconcelos
Cozinheiro raiz e autodidata, hoje no comando de sua Cozinha Singular Eventos e d'O Vilarejo Hospedaria e Gastronomia, onde insumos e técnicas são a base de cardápios originais e exclusivos... e aprendiz de escritor também!
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