A incerteza que surpreende
O que faz um grande vinho? Viajando para o Sul do Brasil nessas últimas semanas pensei muito sobre isso, sobre o que realmente cria um vinho diferente e único. Claro que a resposta pode ser óbvia ou até mesmo subjetiva, falando sobre um vinho que nos surpreende, sobre aromas complexos, sabores únicos e inesquecíveis. Sim, são coisas que realmente os bons vinhos nos passam e sem essas sensações eles seriam ordinários.
Mas, o que eu estava pensando é em relação ao local onde são produzidos. Pensei em alguns grandes vinhos do mundo, em diversas referências para muitas uvas e comecei a perceber que o terroir desses grandes vinhos sempre apresenta muita dificuldade. São climas variáveis ano após ano, quando a uva tem que lutar muito para amadurecer o suficiente. Um dos pontos que me levou a essa conclusão foi o caminho até São Joaquim e, na outra semana, até o extremo sul na Campanha Gaúcha.
Durante os últimos meses se soube que a nossa safra foi extremamente difícil com uma perda que beira os 70% da produção em algumas vinícolas. Tivemos um inverno quente que fez com que as videiras florescessem muito mais cedo que o normal, logo depois uma sucessão de problemas ocorreu, tivemos chuvas em proporções gigantescas em outubro, no período da floração, eliminando uma grande parte dos cachos, e tivemos também em outras regiões geadas tardias e granizo destruindo uma boa parte da produção.
Essa incerteza faz parte de uma imensa maioria das regiões produtoras, pois produzir vinho tem essa dificuldade. O que percebi foi que com essa natural diminuição da produtividade e uma certa melhora no clima, cachos que sobraram amadureceram de uma maneira muito boa em diversos locais. Vi uvas incríveis na região de Bagé, nos vinhedos da Dunamis, por exemplo.
E, se formos pensar em regiões como Borgonha, Nova Zelândia, Oregon, ou pequenos locais na Califórnia e África do Sul, constatamos que são regiões no limite do frio e ensolação mínima para produzir ótimas uvas.
Isso extrai da videira energia extra para amadurecer seus frutos de uma maneira muito equilibrada, mantendo a acidez natural e as características necessárias para um grande vinho, vide a Pinot Noir na Côte d’Or. Isso muitas vezes não acontece em regiões de muito calor e certa tranquilidade para a videira, e os vinhos ficam óbvios, doces e alcoólicos. São gostosos e fáceis de beber, mas perdem a característica diferenciada e principalmente a evolução com o tempo.
Por isso hoje vemos as vinícolas e os enólogos procurando regiões cada vez mais frias e de maturação difícil, procurando esse diferencial, essa exigência para que a videira concentre todo seu esforço nos preciosos cachos que irão sobreviver e produzir vinhos únicos, que refletem o seu terroir e que nos trazem esse diferencial de sabor, aroma e longevidade. A incerteza do que irá acontecer está guiando essa nova geração e o garantido se torna chato, isso não só nas regiões, como nas técnicas de produção. E é aí que está a graça!
Sobre o autor
Eduardo Machado Araujo
Certified Sommelier - Court of Master Sommeliers
Ver outros artigos escritos?