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O turismo precisa de mandato político, por Vinicius Lummertz

O crescimento do turismo global coloca o Brasil diante do desafio de transformar potencial em resultados econômicos concretos. (Charge: Ed Carlos)

Publicado em 09/09/2025

O turismo vive sua maior década de transformações. As viagens internacionais, que em 1970 somavam cerca de 300 milhões, ultrapassaram 1,5 bilhão em 2019 e devem dobrar até 2030. Segundo o Conselho Mundial de Viagens e Turismo (WTTC), em 2034 o setor movimentará US$ 16 trilhões, ou 11,4% do PIB global, e gerará 449 milhões de empregos.

O crescimento não será uniforme. A Ásia-Pacífico liderará a expansão, com investimentos maciços em conectividade e infraestrutura. O Oriente Médio será o segundo grande motor, com Arábia Saudita e Emirados Árabes destinando centenas de bilhões de dólares a urbanismo, resorts, museus e obras icônicas. Europa e América do Norte, mais maduros, avançarão em ritmo moderado, pressionados por custos e limites de capacidade, abrindo portas para novos destinos.

No Brasil, o turismo movimenta cerca de US$ 119,4 bilhões, apenas 1,6% do total global. Somos responsáveis por 1,8% do turismo de lazer mundial e 0,9% do corporativo. 94% da receita vem do turismo doméstico, sinal de força interna, mas também de fragilidade estrutural na atração de visitantes internacionais. O WTTC projeta que, mantida a atual trajetória, o turismo de lazer crescerá apenas 13,5% até 2034, contra 45% no mundo. No turismo de negócios, avançaremos 45%, ante 76,5% no cenário global.

Não é falta de vocação. O Brasil figura como o país com recursos naturais mais altos e entre os dez maiores em recursos culturais, segundo o Fórum Econômico Mundial. Lá fora, o consenso é de que deveríamos estar entre os cinco maiores destinos globais. Aqui, porém, enfrentamos outro problema: infraestrutura deficiente, ambiente de negócios instável e segurança jurídica entre as dez piores do mundo. É caro, difícil e arriscado investir em turismo no Brasil. Sem confiança, investidores buscam outros destinos.

O turismo, no entanto, é um dos maiores geradores de empregos do mundo. Com novas tecnologias, tornou-se mais eficiente, rápido e inclusivo, abrindo espaço sobretudo para micro e pequenas empresas. A trajetória da aviação comercial comprova essa democratização. Na década de 1970, um trabalhador médio americano precisava dedicar 140 horas de trabalho para comprar uma passagem entre Nova York e Londres. Hoje, esse mesmo bilhete pode ser adquirido com apenas 14 horas de trabalho, fruto da redução dos custos e do ganho de produtividade. Para os saudosistas da Pan Am e da Varig, vale lembrar que uma passagem em classe econômica, do Rio para Londres, não custaria, hoje, menos de 30 ou 40 mil reais. É por isso que, na guerra mundial por empregos, o turismo está no centro das estratégias da China, do Oriente Médio, da Ásia, da Europa, dos Estados Unidos e, na América Latina, do México.

O Brasil precisa entender esse fenômeno e construir um plano para entrar nesse jogo pesado, como fez com o agronegócio. Em ambos os campos temos vantagens comparativas, mas apenas um se integrou às cadeias internacionais. O turismo interno e o regional devem ser alavancas para ampliar o internacional, mas será a combinação de natureza e cultura o nosso diferencial competitivo. Temos condições de ser o país dos parques para o planeta. Ainda assim, enquanto a China, que é comunista, constrói parques naturais e temáticos com licenciamentos ágeis, seguimos paralisados por disputas ideológicas que travam o aproveitamento sustentável da maior riqueza natural do mundo. A China segue comunista, mas não esquerdista: sabe que turismo é desenvolvimento, e o turismo de natureza amplia o “soft power”.

O atraso é evidente também no entretenimento. Enquanto países investem em resorts integrados com cassinos, motores de eventos e congressos, o Brasil mantém a proibição, enquanto se expande o escândalo das bets digitais. Perdemos receitas, empregos e visitantes internacionais para a hesitação regulatória.

Apesar disso, o turismo brasileiro é bem representado por entidades e associações que, durante a pandemia, foram vitais para a criação do PERSE (Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos), que preservou empresas e empregos. Mas a recente reforma tributária trouxe o risco de encarecer o setor. E falta unidade: o turismo é composto por dezenas de segmentos bem representados, mas não sob uma agenda global. Sem uma representação unificada, a capacidade de influenciar a agenda política é limitada. O setor não tem lugar proporcional ao seu tamanho na mesa de decisões.

O Brasil já sabe o que precisa fazer: um plano de conectividade aérea que aumente rotas e crie hubs regionais; concessões e PPPs em parques, marinas e aeroportos; reforma tributária sensível ao turismo, garantindo justiça fiscal e crédito; promoção internacional estruturada, com calendário de grandes eventos; estímulo ao turismo de alto padrão; integração da economia do visitante com gastronomia, economia criativa e tecnologia; e formação rápida de capital humano.

O turismo atrai investidores e pode transformar milhares de municípios em polos de desenvolvimento, com empregos e novas oportunidades. Mas, para isso, precisa ser tratado como decisão política. Hoje, o tema raramente aparece em campanhas presidenciais ou de governadores. Só em cidades turísticas consolidadas ganha espaço. Sem pressão da sociedade, o setor continuará sem mandato político.

Se quisermos transformar vocação em prosperidade, o turismo deve estar no centro da agenda eleitoral e das políticas públicas. Nossos economistas são macroeconomistas, e isso se justifica pelos problemas crônicos nacionais. Mas a microeconomia, que gera empregos no cotidiano, segue negligenciada. Nossa imprensa não trata o turismo como dimensão econômica e política. Os orçamentos do setor são frágeis, e o conhecimento produzido é escasso. Avançamos muito, mas sempre morro acima, sem a tomada de consciência que permitiria planejar em plano reto. Assim, perdemos tempo, empregos, renda e deixamos de erguer oportunidades e prosperidade social.

Temos tudo. Temos o que a maioria dos países não tem em grande escala: natureza, cultura e hospitalidade para desenvolvermos uma economia do turismo muito forte. Falta apenas a decisão política proporcional. Falta o mandato político, e esse mandato político deve ser puxado pelas bancadas do Norte e do Nordeste do país, majoritárias no Senado e também influentes na Câmara Federal. O modelo de desenvolvimento dessas regiões não precisa mais emular o Sudeste. Seus caminhos próprios, ao liderar uma política nacional de turismo, serão os caminhos seguidos por todo o Brasil.

 

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Sobre o autor

Vinicius Lummertz

Ex-Ministro do Turismo, ex-Secretário de Turismo e Viagens do Estado de São Paulo, ex-Secretário de Articulação Internacional de Santa Catarina


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