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Endowments podem mudar o Brasil, por Vinicius Lummertz

Endowments universitários garantem recursos de longo prazo para pesquisa, bolsas e infraestrutura, modelos comprovados nos EUA há mais de cem anos. (Charge: Ed Carlos)

Publicado em 16/09/2025

Por que as elites brasileiras vêm evitando por tanto tempo um tema tão potente como a criação de endowments universitários, quando os Estados Unidos vêm, há mais de um século, demonstrando que esses fundos privados podem garantir autonomia, excelência e inovação à educação superior? A provocação é necessária. Afinal, a construção de uma nação competitiva passa, inevitavelmente, pela qualidade das suas universidades e centros de formação técnica.

O primeiro embrião de endowment universitário nos EUA surgiu em 1638, quando John Harvard, um comerciante, deixou parte de sua herança e sua biblioteca para a recém-criada Harvard College, fundada em 1636. Em 1718, Elihu Yale fez doações que consolidaram o endowment da universidade que leva seu nome. No entanto, o conceito moderno de endowment, como fundos investidos de forma profissional, cujos rendimentos financiam pesquisa, bolsas e infraestrutura, consolidou-se apenas no final do século XIX e início do XX, quando as grandes universidades americanas criaram estruturas permanentes de captação e gestão. Esse modelo transformou universidades em centros globais de excelência. Harvard acumula hoje mais de US$ 50 bilhões, Yale ultrapassa US$ 40 bilhões, Stanford e Princeton orbitam na casa dos US$ 30 bilhões. Com esses recursos, financiam ciência de ponta, atraem professores do mundo inteiro, oferecem bolsas a milhares de alunos e mantêm autonomia frente às crises fiscais. Harvard, sozinha, contabiliza mais de 160 prêmios Nobel ligados a seus pesquisadores e ex-alunos, enquanto o Brasil inteiro jamais conquistou um único prêmio. Além disso, mais de 60% de seus estudantes recebem algum tipo de auxílio. Barack Obama foi um desses bolsistas. É a prova de que o sistema alia excelência com democratização.

O Brasil, ao contrário, reduziu os investimentos em educação universitária, segundo a OCDE. As nossas universidades federais concentram o protagonismo, têm muitos pontos de excelência, mas são marcadas por burocracia e dificuldades até para receber doações. A própria expressão física de alguns campi reflete isso, em geral malcuidados e submetidos a um ambiente ideologizado. No caso das engenharias, o resultado é claro: produzimos pouco em quantidade e ainda perdemos parte de nossos melhores profissionais para empresas estrangeiras, que os recrutam pela qualidade, o que é um bom sinal. Sem massa crítica, não há, porém, como liderar avanços consistentes em setores estratégicos como energia, aviação, biotecnologia, inteligência artificial e defesa.

Mas se olharmos para dentro, já temos bases para construir uma Ivy League brasileira. Nos Estados Unidos, a Ivy League é um grupo de oito universidades privadas do nordeste do país, entre elas Harvard, Yale, Princeton, Columbia e Brown, que se tornaram sinônimo de excelência acadêmica, tradição, endowments bilionários e redes de influência. No Brasil, instituições como as PUCs espalhadas pelo país, a Universidade Presbiteriana Mackenzie, fruto de endowment americano, e a FAAP em São Paulo, assim como escolas de negócios de referência como a FGV e o Insper, poderiam ser turbinadas para formar um sistema de excelência apoiado por endowments. Essas instituições já reúnem tradição acadêmica, capacidade de inovação e proximidade com o setor privado. Se contassem com marcos regulatórios claros e incentivos fiscais para captar e gerir fundos privados de longo prazo, poderiam competir em escala internacional. Outro caminho seria aproveitar o imenso capital humano dos professores aposentados das universidades públicas, que poderiam iniciar novas carreiras acadêmicas em instituições privadas com liberdade, remuneração adequada e a chance de contribuir para uma nova etapa do ensino superior brasileiro.

Outro exemplo inspirador vem de Israel, que construiu um sistema integrado de financiamento público-privado para formação técnica e universitária, associado ao serviço militar obrigatório, que funciona como laboratório de alta tecnologia. Lá, o ensino superior técnico é amplamente subsidiado por bolsas estatais e privadas, além de parcerias com empresas de tecnologia e defesa. O resultado é que Israel, com menos de 10 milhões de habitantes, forma proporcionalmente mais engenheiros do que qualquer outro país e abriga mais de 8 mil startups, liderando em cibersegurança, agritech e biotecnologia. Esse modelo, baseado em pragmatismo e financiamento misto, mostra que até países pequenos podem liderar globalmente.

O Brasil já teve experiências como o Prouni, que democratizou o acesso ao ensino privado, e o Ciência sem Fronteiras, que levou estudantes ao exterior. Mas ambas as políticas careceram de continuidade e planejamento de longo prazo. O país já possui um precedente, a Lei Rouanet, que mobilizou centenas de milhões para a cultura via incentivo fiscal, mas que passa longe da lógica de gestão dos fundos especializados de endowments. É paradoxal que a direita produtiva não coloque o tema dos endowments na agenda e que a esquerda ainda resista a modelos meritocráticos que poderiam transformar talentos oriundos da escola pública em lideranças nacionais.

Se queremos ser protagonistas em setores como agro, mineração, biotecnologia, inteligência artificial, indústria 2.0, turismo, cultura, comércio e serviços, precisamos investir em cérebros. Sem massa crítica de engenheiros, cientistas, técnicos e até roteiristas de cinema, permaneceremos dependentes de soluções externas e incapazes de transformar nosso potencial em liderança global. O modelo americano já mostrou a força dos endowments. A China provou que investir maciçamente em conhecimento pode mudar a escala da inovação em poucas décadas. Israel comprova que até pequenos países podem se tornar potências em inovação. E as instituições privadas brasileiras já têm as condições mínimas para assumir essa função.

Ao olhar para a história, fica a indagação: por que as elites brasileiras não dão atenção a esse assunto, quando os Estados Unidos demonstram há mais de um século que endowments universitários são instrumentos decisivos para gerar excelência, inovação e liderança global?

 

Leia também:

- A culpa (não) é do sistema, por Octávio Lebarbenchon

 

 

 

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Sobre o autor

Vinicius Lummertz

Ex-Ministro do Turismo, ex-Secretário de Turismo e Viagens do Estado de São Paulo, ex-Secretário de Articulação Internacional de Santa Catarina


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