Crise? Que crise?
A pior decisão de uma empresa é tentar esconder os problemas diante da opinião pública
Karin Verzbickas
Quem está do lado de cá do jornal – na posição de leitor – muitas vezes não imagina o esforço imensurável das equipes de comunicação corporativa quando uma crise institucional se abate sobre marcas e empresas. O recente episódio que colocou em xeque a qualidade das carnes brasileiras, deflagrado pela operação Carne Fraca da Polícia Federal, deu muito trabalho para essa turma. Especialistas em gerenciamento de crise, analistas de comunicação corporativa e consultores de toda ordem tiveram que colocar a cabeça para funcionar como nunca. Ainda que já tivesse havido treino recente nas muitas etapas da Operação Lava-Jato, que colocou ladeira abaixo o nome de empreiteiras e políticos, pela primeira vez se viu no Brasil o envolvimento direto de duas grandes holdings – a BRF e a JBS – sacudindo pra valer o fornecimento de proteína animal de boa parte do planeta. Uma crise de proporção internacional sem precedentes, com prejuízos diretos para toda a cadeia produtiva de diversos estados brasileiros.
A verdade inquestionável é que o grande patrimônio das empresas é a sua reputação. E muitas vezes se aprende isso da pior forma. Quando se coloca em dúvida a credibilidade de uma marca, todos os seus outros ativos vão para o lixo. As ações despencam, os contratos de exportações são cancelados, os consumidores internos desaparecem, a imprensa não poupa, a imagem ruim fica. Às vezes para sempre. A boa notícia é que existem finais felizes. A comunicação estratégica, eficiente, transparente, verdadeira, ágil e direta, pode sim – e muito – minimizar e até reverter situações de crise. Tudo depende da forma e do timing que as ações proativas ocorrem. Tudo depende do gestor acreditar nas orientações do especialista em comunicação e, mais do que isso, colocá-las em prática.
Vamos lembrar de uma crise que terminou bem? No início da década de 80, um caso emblemático nos Estados Unidos tornou-se um exemplo de bom gerenciamento: o do Tylenol, da Johnson&Jonhson. Nada menos que sete pessoas morreram no subúrbio da cidade de Chicago após ingerirem cápsulas do produto Tylenol Extra Forte. A solução foi transparência com a mídia e assumir os erros. O resultado foi que a marca, em vez cair em descrédito, ganhou a confiança do consumidor americano. E não houve abalo no mercado internacional.
Um dos maiores equívocos das corporações que estão na iminência de entrar numa crise de imagem é negar – para si e para seus públicos - o que está acontecendo. É aí que se perde a oportunidade de agir com rapidez para estancar a sangria. Assim como esconder-se debaixo do lençol não impede o nascimento do sol no dia seguinte, não adianta puxar pra debaixo do tapete as razões de uma crise prestes a eclodir. O consumidor não é bobo. Se há problemas, ele quer explicações. Ele quer ver proatividade, sentir a real preocupação da empresa em reverter a situação e seu esforço para mostrar a verdade.
O outro erro é não admitir o erro. Se ele existe, tem que ser assumido e as razões explicadas. Além disso, há que se saber pedir desculpas de forma crível e cuidar para que todos os prejuízos – morais e financeiros – sejam ressarcidos e compensados. Mas o que muitas vezes se vê – como ocorreu no episódio Carne Fraca – é a adoção de caminhos confusos e pouco eficazes como veicular comunicados monocórdicos em mídia paga de tv aberta e jornais impressos, que pouco esclarecem e mais dúvidas lançam ao mercado. Essa estratégia pobre revelou uma grande desvantagem das empresas denunciadas em relação à Polícia Federal que, com imagens ao vivo da operação, coletivas à imprensa, divulgação de informações e laudos, largou bem na frente ganhando o engajamento da opinião pública e os holofotes da imprensa internacional.
Depois – e aí já havia sido perdido um tempo precioso e vital - as equipes dos dois conglomerados agiram de forma mais assertiva com o consumidor e lançaram campanhas mostrando suas instalações, com depoimentos dos seus colaboradores que chancelavam a qualidade dos produtos. Politicamente, as associações de produtores e exportadores e também os governos dos estados atingidos trabalharam rápido para reverter a situação ruim junto ao mercado internacional, além de questionar a irresponsabilidade da PF ao divulgar uma operação que abalaria consideravelmente a balança comercial brasileira e milhares de empregos. Mas o estrago já estava feito e poderá custar ainda muitos meses e dólares perdidos até que a reversão total ocorra. Se é que ocorrerá.
Como bem disse certa vez Warren Buffet: “leva-se vinte anos para construir a reputação de uma empresa e cinco minutos para perdê-la”. O fato é que só se enfrenta crises de imagem com sucesso se forem estrita e rigorosamente seguidos ao menos seis mandamentos do gerenciamento de crises:
1) Agir com rapidez e proatividade - o protocolo internacional orienta posicionamento em até no máximo 15 minutos após a eclosão pública de uma crise;
2) Ter ferramentas adequadas – equipe, orçamento, acesso a informações;
3) Criar um sistema 365 dias x 24 horas, ou seja, totalmente disponível e ativo;
4) Montar um time efetivo de trabalho que inclua não somente especialistas em comunicação mas gestores das áreas vitais da empresa com autonomia para decidir;
5) Exercitar e simular situações potencialmente emergenciais, preparando soluções com antecedência; e nomear porta-vozes treinados e com credibilidade para cada tipo de situação.
Crises não devem ser gerenciadas apenas quando eclodem. Hoje, as corporações que zelam pela sua reputação estão implementando seus programas de Prevenção e Gerenciamento de Crises, treinando seus comitês, mapeando seus riscos, antecipando-se a cenários que lhes desfavorecem. Mais do que isso, estão treinando suas equipes para a hora da guerra, simulando situações de emergência e fazendo sua lição de casa na comunicação a partir dos vários cenários possíveis. Assim, muitas estão evitando aquela crise que você não viu nos noticiários, nos empregos que não foram perdidos, nas mortes que foram evitadas, nas reputações que não foram perdidas. Este sim é o grande trabalho das equipes de comunicação corporativa que você não vê do lado de cá do jornal. Ainda bem!