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Manifestação na Trindade questiona a demarcação dos terrenos de marinha

Evento ocorrerá no sábado (13). Aproximadamente 3 mil famílias do bairro podem perder a propriedade de seus imóveis. Foto: Reprodução

Publicado em 10/04/2019

Florianópolis discute desde 2005 a situação da nova demarcação dos terrenos de marinha sem que nada até o momento tenha sido definido. A cada dia aparecem novidades sobre o caso, como a possibilidade de cerca de 3 mil famílias moradoras do bairro Trindade terem seus imóveis notificados como terrenos de marinha, uma vez que em 2015 a SPU terminou o processo administrativo de demarcação da cidade.

Com base nos mapas divulgados no site da Prefeitura de Florianópolis (Geoprocessamento), a Associação de Atingidos por Terreno de Marinha do Bairro Trindade (ATMT) mapeou 99 lotes e 30 condomínios do bairro como afetados pela nova demarcação de terreno de marinha.

Ana Claudia Caldas, diretora comunitária da Associação, é enfática ao falar do desrespeito e da falta de critérios técnicos da nova demarcação, havendo, inclusive, demarcação da Linha Média de Preamar do ano de 1831 com ângulo de 90 graus. Técnicos afirmam ser impossível de aferir hoje onde esteve a dita linha de preamar e ainda há os que dizem que a linha preamar já está dentro do oceano.

“É estranho pensarmos que na Trindade, que não fica perto do mar, haja terrenos de marinha, e em Jurerê Internacional não. Ao mesmo tempo, Jurerê Nacional também é afetado. Qual é o critério? Como foi feita essa demarcação?”, questiona.

Desde 2001, já tramitaram três Propostas de Emendas à Constituição (PECs) de extinção definitiva do instituto dos terrenos de marinha na Câmara Federal. As propostas foram inutilizadas no fim de 2018 pelos deputados da comissão especial, mas ainda há esperanças legislativas uma vez que ainda tramitam outras três no Senado.

São muitas perguntas que precisam de respostas. “Como fica o direito de propriedade privada? E as escrituras públicas? E os financiamentos com bancos públicos para a compra dos imóveis? Os moradores podem ver suas casas demolidas? A União poderá vendê-las a outros ocupantes? São muitas questões graves e poucas respostas”, considera Ana Claudia.

Manifestação no sábado (13) será de conscientização da população

Com a proposta de mobilizar e conscientizar a população do bairro – e já prevendo os novos atos do Governo Federal sobre o fato, inclusive a emissão das notificações aos moradores – a Associação dos Atingidos pela Demarcação dos Terrenos de Marinha na Trindade (ATMT) vai fazer uma manifestação no próximo sábado (13), às 9 horas, na Rua Lauro Linhares, 1065, esquina com a rua Juvêncio Costa, em frente à Droga Raia. “Antes nos mobilizávamos a cada movimento do Estado. Agora, pela primeira vez desde 2005, quando começou a nossa luta, estamos sendo proativos para estarmos preparados para defender os nossos direitos”, explica Elisete Pacheco, presidente da ATMT.

Assessoria especializada para questionar

Para a presidente da associação, é possível questionar pelas vias administrativa e judicial a caracterização do imóvel como terreno de marinha, mas não é recomendável agir de maneira leviana, pois tais procedimentos acarretam despesas e são de alto nível técnico. “O aconselhável é procurar profissionais da área que possam assessorar com a análise de todos os aspectos de cada caso concreto para poder traçar a melhor estratégia a ser adotada.”

Neste contexto de alta especialidade técnica, como, por exemplo, da análise de maregrafia, surgiu a ideia de criar uma associação que pudesse além de mobilizar os atingidos para ações de influência no Poder Legislativo, também pudesse ratear os custos dos estudos necessários, assim como poder agir em medidas coletivas de defesa, como fez a Associação dos Moradores do Loteamento Santos Dumont, que provocou parecer favorável de oceanógrafo e geólogo do Ministério Público Federal em medida judicial coletiva que questionou a ON-Geade nº 02, de 2001, norma interna do SPU, que atualmente rege as diretrizes para realização dos processos demarcatórios.

O que são terrenos de marinha?

Segundo definição de leis federais, terrenos de marinha são bens da União medidos a partir da linha do preamar médio de 1831 até 33 metros para o continente ou para o interior das ilhas costeiras. Além das áreas ao longo da costa, também são considerados terrenos de marinha as margens de rios e lagoas que sofrem influência de maré.

Para entender melhor: A referência para demarcação é a linha média de preamar do ano de 1831 e a legislação criadora é da época do império. Além da perda da propriedade, são três taxas que poderão ser imputadas: o laudêmio, que é o valor devido à União sempre que se realize uma transferência da posse; a taxa de ocupação, que é o valor devido anualmente pela ocupação regular de imóvel da União, sendo responsável o ocupante inscrito na base cadastral da Secretaria do Patrimônio da União (SPU); e, por fim, o foro, que é cobrado anualmente pelo uso do imóvel sob regime de aforamento (uma espécie de contrato estabelecido com a União), sendo o responsável o titular do domínio útil, estas últimas equivalentes ao pagamento de aluguel a união.

Situação atual dos terrenos de marinha

Em 22 de novembro de 2018, a PEC 39/11 foi aprovada às 4 horas da madrugada, pela comissão especial da Câmara dos Deputados vislumbrando a transferência gratuita dos terrenos de marinha ocupados por estados, municípios e famílias com renda de até cinco salários mínimos, ficando somente sob o domínio da União apenas áreas não ocupadas e as que estiverem sendo usadas pelo serviço público federal, sendo que o restante dos casos, como as residências de classe média, deverão recomprar por valor de mercado suas propriedades.

O texto aprovado determina o fim da cobrança de quaisquer valores à União relativos aos terrenos de marinha. Segundo o relatório, a ideia inicial era permitir a extinção de todos os terrenos de marinha localizados em áreas urbanas, mantendo com a União somente áreas consideradas estratégicas, mas após um ano paralisado na comissão, sem aviso, e na calada da noite, o texto foi alterado indo a votação. Diferente do que ocorreu em 2016, quando as entidades representantes dos atingidos foram chamadas para serem ouvidas quanto à proposta de municipalização dos terrenos de marinha, restando comprovado que a proposta era absurda, tal como a de revender as áreas aos então proprietários.

“O princípio básico adotado é de que a propriedade deve ser atribuída a quem lhe dá o devido aproveitamento. Não é admissível que a União continue a gerir esse patrimônio com intuito meramente arrecadatório, em prejuízo da função social da propriedade e do interesse público, além do caráter confiscatório de demarcar algo para, em ato sucessivo, vendê-lo, assim como ferir de morte o direito à propriedade privada estabelecido como cláusula pétrea na nossa Constituição Federal”, comenta Ana Claudia Caldas, da ATMT.

Para adquirirem a posse definitiva do terreno de marinha, os atuais moradores e ocupantes regularmente inscritos na Secretaria de Patrimônio da União (SPU) precisarão pagar à União os 83% restantes o valor do terreno, o que, segundo a diretora, também é um desrespeito. “Estaremos pagando duas vezes pelo que já é nosso”, ressalta. 500 mil imóveis no Brasil estão em terrenos de marinha – apenas 20% do litoral já foram homologados.