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Oui Chef, por André Vasconcelos
Expressão consagrada nas cozinhas nasceu com Carême e virou símbolo de disciplina e respeito profissional

O bordão “Oui Chef”, criado no século XIX por Carême, ainda ecoa como símbolo de hierarquia e disciplina nas cozinhas profissionais. (Foto: André Vasconcelos) ***clique para ampliar foto

Publicado em 28/08/2025

Oui Chef, Si Chef, Yes Chef, Shì zhǔchú (是主廚), Hai shefu (はい、シェフ), ou “Sim Chef” em qualquer outra língua é um bordão que sintetiza o funcionamento de uma cozinha profissional, é a forma da equipe responder que escutou a ordem e que essa será cumprida à risca!!! Ou ao menos deveria ser!

Em um momento em que as pessoas se auto-intitulam o que bem lhes aprouver, só os profissionais que tiveram um “Sim Chef” como resposta uníssona da equipe podem se considerar Chefs. Chef não é um título que se adquire em uma universidade, como doutor ou professor, chef é um cargo, o CEO da cozinha!

Auto intitular-se Chef, ou sentir-se Chef por ter feito um curso de sushi de oito horas, é como exigir ser tratado por CEO por ter feito um curso de administração em um final de semana.

Já li em blogs de influencers moderninhos, que o “sim Chef” é uma forma rudimentar de inferiorizar seus comandados, ao menos em tempos de mi-mi-mi da geração Nutella. Muitos veem nesse bordão uma espécie de opressão, uma forma de se sobrepor, de humilhar, de se sentir superior aos pobres trabalhadores!

Mas esses aspirantes a chef que invadem as cozinhas, não estão ali para cumprir ordens, como todos os trabalhadores? Imagine no auge do movimento, o chefe de cozinha falar humildemente a cada funcionário o que ele tem que fazer naquele momento: “meu caro sous chef, por favor, se não for te atrapalhar, providencie com seus prestativos subalternos, uma maionese de ervas!”.

A cozinha iria parecer uma escola de moças na França do século XVIII! No mundo real de uma cozinha de restaurante o chef ordena: “maionese de ervas para finalizar o prato de peixe!”. E o coro: “SIM CHEF!!!”.

E, vez por outra, na hora de montar o prato, a maionese não está pronta! E se o chef grita: “Cadê a p… da maionese????”. E a internet protesta: ele é agressivo! “Sim Chef” é sinônimo de “entendido e sendo executado”, ou ao menos deveria ser!

Na história, a primeira vez que se ouviu esse comando, “OUI CHEF”, foi na preparação do banquete da coroação de Bonaparte, o imperador, porque rei ele nunca foi! E foi Carême, o rei dos cozinheiros e o cozinheiro dos reis, quem o proferiu!

Aliás, Marie-Antoine Carême, não só criou o bordão, mas como praticamente criou a cozinha profissional como conhecemos. Criou o toque-blanche, o famoso “chapéu” dos cozinheiros. Fez da dólmã uma peça mais funcional introduzindo alguns elementos e modernizando essas vestimentas, o que para os cozinheiros funciona como uma armadura de general, afinal essa é a raiz desse uniforme: o jaleco de trabalho dos cozinheiros foi inspirado nos uniformes do exército, não foi no então exército francês Napoleônico, e sim nas túnicas czarinas da Rússia do século XIX.

Da hierarquia da cozinha, Carême fez um exército de bem servir e bem atender. Ele produziu um novo e refinado estilo de gastronomia, usando ervas e vegetais frescos, e simplificando molhos com o uso de menos ingredientes. O cozinheiro que criou o “Oui Chef” também criou bases culinárias francesas, entre elas os quatro molhos-mãe: bechamel, velouté, espagnole e allemande… os classificou em grupos, estabelecendo um sistema que se tornaria um pilar da cozinha francesa!

Alguns dão a ele também autoria do "soufflé", um sopro, uma massa assoprada… um clássico da culinária francesa! Mas há quem afirme que esse sopro de criação é de Jean Anthelme Brillat-Savarin, autor de “Fisiologia do Gosto”, talvez o maior ícone da literatura gastronômica! Feliz é o "soufflé" que tem a paternidade dividida entre estes dois gênios! Que honra seria responder a esses dois com um sonoro “Oui Chef!”.

Na patisserie, Carême fez com profiteroles, as carolinas, as pequenas “bombas” de creme, uma sobremesa em forma de torre coberta com um caramelo dourado: o croquembouche! A massa folhada também veio de suas inspirações, e, por consequência, o vol-au-vent, uma “caixinha” folhada carregada de sabores, à princípio para compor sobremesas, mas hoje, o vol-au-vent passeia por todo cardápios clássicos.

As esculturas de açúcar, as montagens inusitadas, piromaníacas e surpreendentes, confeitos em estilo barroco, esplêndidas e complicadas composições em pasta de amêndoa, nougat e caramelo, fizeram dele um arquiteto da doçaria. Talvez, para nós brasileiros saudosistas, nossa maior referência das sobremesas de Carême parece ser o pavê!

Há quem imagine que o pavê foi criado por aquela tia solteirona que apertava suas bochechas quando chegava para as festas em família carregando um pirex com camadas de biscoitos, cremes, pêssegos em calda e uma overdose de açúcar! O pavê é uma releitura, mal feita diga-se de passagem, do Diplomate, uma sobremesa em camadas de brioche, frutas secas ao rum, e alguns cremes como bavaroise e merengues. E foi alguma tia, solteirona e brasileira, que transformou o Diplomate nessa aberração culinária que é o pavê!

À Carême também é atribuída a criação de uns pratos que mais gosto de reproduzir e apreciar: os Tournedos Rossini, batizado em homenagem ao músico italiano Gioachino Rossini, autor de várias óperas, e parceiro do cozinheiro na Paris do século XIX! Um belo naco de filé mignon frito na manteiga, servido sobre fatia de brioche crocante e coberto com uma fatia quente de foie gras sauté, com fatias de trufas e um molho de vinho fortificado e demi-glace… um clássico que nunca sai de moda!

As cozinhas do czar Alexandre II, do príncipe regente inglês, o futuro George IV, do imperador da Áustria, Francisco I e, por fim, do banqueiro Rothschild, no castelo de Ferrières foram algumas comandadas pela genialidade de Carême. É criação dele também o serviço em passos, da entrada à sobremesa com pratos montados e servidos à mesa, como fazem hoje os grandes chefs no que chamam de menu degustação… é o serviço à russa!

‘‘A Arte da Cozinha Francesa’’, uma enciclopédia gastronômica que resume sua arte, derradeiro sonho realizado pouco antes de morrer em 1833, envenenado aos 48 anos pela fumaça tóxica do carvão de lenha que inalou pela vida afora!

O bordão “Oui Chef” representa toda essa história! E para quem quiser entender mais de cozinha e conhecer mais da história desse grande cozinheiro, a primeira temporada de Carême - O Rebelde da Culinária está na Apple TV+ … e o livro Carême, O Cozinheiro dos Reis, saborosa biografia escrita por Ian Kelly.

Bom apetite!!

 

 

 

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Sobre o autor

André Vasconcelos

Cozinheiro raiz e autodidata, hoje no comando de sua Cozinha Singular Eventos e d'O Vilarejo Hospedaria e Gastronomia, onde insumos e técnicas são a base de cardápios originais e exclusivos... e aprendiz de escritor também!


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