Cozinha raiz e a raiz mandioca, por André Vasconcelos
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Em tempos de redes sociais, as modas vêm e vão de uma maneira assustadora, e o que é tendência em um dia, na manhã seguinte pode ser obsoleto!
Insumos, técnicas, temperos, temperaturas, tempo, enfim, tudo surge como algo inovador e revolucionário, quando na maioria das vezes é o mesmo de sempre, porém, “enfeitadinho”!
O mundo gastronômico está impregnado de falsos pesquisadores e chefs de Instagram que não diferenciam uma tainha de um bagre!
Muitos que falam que fazem, não fazem simplesmente porque não sabem fazer, e ainda criticam os que fazem e, pior, copiam descaradamente os que realmente fazem por pesquisar academicamente baseados em experiências para saber fazer.
Confuso esse parágrafo, mas vale ser lido e relido para entender de onde vem os
chefs de internet, e porque cada vez mais comemos elucubrações gastro-moderninhas
e não comida de verdade.
Reiki, massagens, cromoterapia, orações e mantras passaram a fazer parte das cozinhas da era digital, e não aplicados nos asseclas dos chefs iluminados, e sim nos insumos para lhe trazer conforto e alegria antes de serem mastigados!
Não duvidem que um dia teremos spas para tratar mignons estressados, cenouras bipolares ou cogumelos deprimidos… tudo para deixar o seu prato harmonizado!
Harmonizado com mentiras!!!
Certo estava Onassis que dizia: “uma mentira não contestada se torna verdade”!
Sou um fazedor de comida autodidata, criado em um tempo em que as escolas eram as cozinhas de bons restaurantes... e sou também um contador de estórias, reais e vividas ao longo de 30 anos de piloto de fogão!
E entre estas estórias que conto e escuto, a cozinha raiz está em muitas rodas de conversa e, particularmente, acredito que o futuro da nossa cozinha está no passado, na cozinha raiz.
Repleta de sabores que enchem nossas lembranças e que nos transporta à mesas memoráveis, a cozinha raiz é um conjunto de receitas que surgiram naturalmente, ou para dar vazão aos produtos da época e para conservá-los em tempos em que a geladeira não era nem um protótipo e era necessário prolongar ao máximo a vida dos alimentos, mesmo que isso muitas vezes alterasse seu sabor, consistência e aparência!
As técnicas e processos da cozinha raiz eram passados de mãe para filha, quase segredos de cozinha, segredos guardados a sete chaves em livros de receitas com colagens de suplementos de jornais e revistas femininas.
Cozinhar era coisa de mulher, e nelas está guardado a verdadeira essência da cozinha raiz!
Os grandes chefs, homens, serviam aos nobres, mas as grandes cozinheiras, as mulheres, serviam suas famílias, em cardápios com muito mais nobreza que qualquer cardápio destinado aos reis!
O porco na lata, que para mim representa toda caipirice brasileira, tem no confit, um clássico da culinária francesa, a sua inspiração!
A carne do porco criado no quintal alimentado com o que sobrava da horta e do pomar, cozida em nacos à perfeição, arrumada em latas e coberta com a banha, e só depois de fria e sólida, a lata era fechada conservando essa carne por meses.
As compotas de frutas garantiam doces prazeres por todo o ano, repleta de cores e com combinação de elementos para trazer textura e consistência. E algumas frutas eram secas ao sol ou desidratadas em estufas, conferindo texturas e sabores únicos mas conservando as características do produto natural: são as passas.
E são assim chamadas, de passas, por que a fruta “passa” por uma técnica de secagem, reduzindo a sua umidade e assim dificultando a proliferação de microrganismos que provocariam a deterioração da fruta fresca.
Os legumes muitas vezes eram conservados no vinagre, quase um picles, mas que traziam suas cores e proteínas mesmo quando estavam fora da safra.
No litoral ou em beira-rios, secar o peixe ao sol, aberto em filés espalmados ou escalados, não tinha a pretensão de se tornar ícones de gastronomia, e muito menos suas ovas pretendiam ser alçadas a nobres alimentos... faziam uso destas técnicas para garantir alimento quando o pescado fosse escasso.
A cozinha raiz é uma cozinha de sobrevivência... por isso merece todo respeito pelo que é, e deve ser valorizada por tal.
E fazendo mais uma vez um ode à mandioca, que é a raiz da nossa cozinha raiz!
Essa raiz se faz presente em todas as regiões, do tucupi do Norte à farinha fina de Santa Catarina.
Estou aqui saudando a mandioca, uma das maiores conquistas do Brasil, e não preciso ser nenhum conhecedor de história para saber que ninguém conquistou a mandioca, ela nos conquistou, é a nossa raiz!
Ela está em forma de farinha na alimentação dos povos originários e como farofa para acompanhar os nossos pratos mais tradicionais.
Está em bolos clássicos como o Souza Leão e no cuscuz de tapioca, um ícone das praias no Rio de Janeiro.
Também está no Biscoito Globo e no pão de queijo mineiro.
Esta raiz está no pirão d´água ou no pirão de leite que acompanha os peixes escalados do litoral catarinense.
Se faz presente na farofa de dendê que escolta a moqueca e até em algumas receitas de cuscuz paulista com a farinha de mandioca flocada.
Esta raiz desenhou a culinária brasileira, a cozinha raiz, variando de região para região devido ao clima, a espécie da planta e a particularidade de cada povo!
Vamos saudar a mandioca, a raiz da nossa cozinha!
E vamos salvar a cozinha raiz, livre de invencionices bizarras criadas por chefs de internet e influencers gastronômicos.
As modas passam, mas a cozinha raiz está enraizada em nossa memória.
É a nossa memória afetiva
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Sobre o autor
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André Vasconcelos
Cozinheiro raiz e autodidata, hoje no comando de sua Cozinha Singular Eventos e d'O Vilarejo Hospedaria e Gastronomia, onde insumos e técnicas são a base de cardápios originais e exclusivos... e aprendiz de escritor também!
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