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O mundo precisa de poesia, por Luzia Almeida

Reflexões sobre o poder das palavras e a beleza dos sentimentos. (Foto: Pixabay)

Publicado em 14/02/2025

Sim. O mundo precisa de muita poesia. Precisa de poesia e de borboletas azuis. Que combinação linda! O som que chega ao coração com as cores da leveza.

A poesia é um tipo de água pura que desliza gentil de uma fonte. E isso é tão verdadeiro quanto simples. A água está para a sede assim como a poesia está para o coração e o coração é tão carente de ternura. Há poesias que são verdadeiros abraços, como o poema “Um bem-te-vi” de Manoel de Barros: “O leve e macio / raio de sol / se põe no rio. / Faz arrebol... / Da árvore evola / amarelo, do alto / bem-te-vi-cartola / e, de um salto / pousa envergado / no bebedouro / a banhar seu louro / pelo enramado... / De arrepio, na cerca / já se abriu e seca”. Um bem-te-vi, um abraço, um carinho... que diferença faz? A diferença está na composição de um poema-arrebol a partir de um raio de sol.

A poesia também é um tipo de rio que caminha diante de nós. E isso procede da natureza. Cada rio amanhece para o ser humano com sua fartura própria, com seus tambaquis e tucunarés. Um rio em si já é poesia com o escuro de suas águas e os mistérios que abriga. O rio Tapajós, por exemplo, é todo rimado com a Ponta do Cururu e com a Praia do Cajueiro. As estrofes que se percebem estão nos movimentos eternos que ensaiam e, assim, lembram-nos um quebranto de amor. O Tapajós é o rio que aprendi a amar, mas eu já amava o sol.

Outro dia, eu li um conto da Marina que me encantou no último grau: “Acordava como se ouvisse o sol chegando pelas beiradas da noite”. Verdadeira poesia entrelaçada na narrativa de uma moça solitária. E a poesia também é um tipo de anestésico ou analgésico para quem precisa de afeição, como precisava o eu lírico de Gonçalves Dias no poema “Leito de folhas verdes”: “Por que tardas, Jatir, que tanto a custo / À voz do meu amor moves teus passos? / Da noite a viração, movendo as folhas, / Já dos cimos do bosque rumoreja”. O amor que tarda é a poesia que ficou presa no coração. É preciso viver porque a poesia tem prazo de validade: ela existe enquanto há sol, em seguindo o tempo o crepúsculo acontece, então o azul das borboletas começa a desaparecer.

Água, rio, borboletas... a poesia também pode focalizar um aeroplano: basta ter uma emoção se assanhando no coração, como ocorreu no peito do escritor paraense Caio Matheus ao escrever “Acontecimento esporádico”: “Encontrei um aeroplano próximo da palmeira. Parecia triste. Talvez fosse a falta das asas para alcançar o céu. Compadecido, juntei todos os balões jogados pela casa e durante a tarde soldosa, sentei na sombra da palmeira para contemplar uma felicidade flutuante”. Um aeroplano também é um rio, é um mar de possibilidades que nos abre a porta do coração para encararmos a vida com compaixão. É preciso muita gentileza para consertar um aeroplano. O conto-poema de Caio Matheus ensina-nos o belo na melodia, na musicalidade da empatia e a felicidade sugerida com o voo acontece, naturalmente, nos corações que também podem, movidos pela compaixão, fazer consertos: que são outros tipos de abraços.

“As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios” precisam ter um basta para que possamos pensar que o amor não resultou inútil, como escreveu Drummond. E a utilidade do amor está ligado à poesia: a maneira mais inteligente de construir sorrisos e de elaborar felicidades.

O sol é o todo feito de abraços e a poesia é um tipo de amor em forma de raio, mas também é orvalho azul.     

 

 

 

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Sobre o autor

Luzia Almeida

Luzia Almeida é professora, escritora e mestra em Comunicação


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