O conto filosófico de Adriano Monte Alegre, por Luzia Almeida

O conto “Da minha janela”, do escritor Adriano Monte Alegre, publicado em 2022 na coletânea “Aquele que escreve”, convida-nos a fazer duas reflexões importantes: uma sobre velhice e outra sobre felicidade. E entre considerações e conceitos destes temas tão instigantes, somos absorvidos pelo deleite da leitura que o autor nos proporciona por sua visão cheia de compaixão pelo ser humano.
“É aqui, deste meu retângulo aberto na parede de concreto do quarto, que passo horas mastigando [...] as lembranças do passado”: é assim que o conto começa e nem temos noção da profundidade que nos espera nos detalhes da narrativa e nas observações do narrador sobre flores e descobertas. É de um “retângulo aberto na parede de concreto” que ele observa um beija-flor e a consolidação da vida. O texto feito um tecido vai somando “parede de concreto” e “beija-flor” e há tanta graça nisso que, para quem ama literatura... “uma cena tão delicada que, se pudéssemos apalpá-la, reconheceríamos a textura da seda”. A leveza do beija-flor num asilo sugere um confronto de ideias e de sensações que ultrapassam nossas ideias rotineiras tão cheias de tarefas e de obrigações. É uma visão privilegiada e cheia de contrastes.
O quadro poético — que emoldura o asilo descrito pelo autor — guarda o conceito parcial de idoso: “As mãos trêmulas. As pernas fracas e os chinelos gastos”, e não dispensa a reflexão sobre o que é felicidade: “A felicidade está na essência, e fora da essência o que existe são enfeites” ou chinelos gastos. O autor afirma ainda: “Aqui no asilo a felicidade costuma ser discreta”. E esta discrição faz toda a diferença na vida daqueles que não podem mais optar por aventuras, mas “os homens são como icebergs: o que existe de grande neles está submerso”, e o tempo não pode mexer nisso.
No conto de Monte Alegre, velhice e felicidade não formam uma parceria, mas lançam luzes para aqueles que estão do lado de fora do muro: lâmpadas acesas quanto ao cuidado consigo mesmo e com o próximo, pois o tempo devora sem piedade como disse Mário Quintana: “O mais feroz dos animais domésticos / é o relógio de parede: / conheço um que já devorou / três gerações da minha família”. O “Relógio” não tem parceiros.
Todavia há uma parceria interessante na arquitetura do texto do autor baiano, uma vez que dialoga com Fernando Pessoa, ou melhor, com Alberto Caeiro. Poema e conto abraçam uma janela a favor da humanidade. Nas palavras do poeta: “Da mais alta janela da minha casa / Com um lenço branco digo adeus / Aos meus versos que partem para a humanidade”. E, nas palavras do contista: “Nenhum lugar pode ser mais confortável que minha janela. Nela, mobilizo a serenidade. Açoito o mal. Vislumbro os horizontes. Aprofundo meus conhecimentos...”. Açoitar o mal e vislumbrar os horizontes são alicerces e colunas para uma vida plena e serena... e sem temor de relógios.
Contista e poeta apresentam “um espetáculo cuja grandeza quase não cabe nas palavras” e a definição de felicidade tem o perfil do vento que “às vezes ouço passar, / e só de ouvir o vento passar, vale a pena ter nascido”. É isso: felicidade é o vento.
Texto por Luzia Almeida
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Sobre o autor

Luzia Almeida
Luzia Almeida é professora, escritora e mestra em Comunicação
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