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O que há entre a necessidade de adaptação e as escolhas que fazemos?

Cada escolha que fazemos reflete nossa adaptação ao contexto em que crescemos, influenciando hábitos, valores e reações diante do mundo. (Foto: Reprodução internet) ***clique para ampliar foto

Publicado em 17/08/2025

Conceito que se repete em diferentes abordagens da psicologia é o de ajustamento. Se estivéssemos no universo do teatro pensaríamos como o ator interpreta um personagem. Stanislavski, grande mestre do teatro, diz que as histórias contadas pelos dramaturgos são “circunstâncias propostas”, com as quais o personagem terá que lidar. 

Já as “circunstâncias propostas” pela vida são aquelas que dizem respeito ao contexto no qual a pessoa se encontra. Como membros de uma espécie que nascem totalmente dependentes, não nos resta outra alternativa a não ser tentarmos nos adaptar. Nascemos e, à nossa volta, existe uma realidade, um “cenário” e outros “personagens”. Esse contexto inclui os modos de vida, as relações que se dão no nosso entorno, como os demais membros da família nos recebem e se relacionam conosco, as condições materiais das nossas famílias, uma determinada época com suas próprias características, uma cultura e suas crenças. As respostas que daremos a essa realidade que nos antecede,  são o que a psicologia vai chamar de ajustamento.  Eu prefiro chamar de adaptação, ou de tentativas de adaptação,  porque me dá a sensação de que a saia não é tão justa assim,  e que conseguimos caminhar com ela. 

As respostas que damos a esse contexto, com o qual nos vemos compelidos a conviver, tendem a se tornar um padrão e vai incluir a forma como sentimos e significamos o mundo. Interessante notar que aquilo que nos é familiar funciona como uma espécie de “tendência visual” para a nossa percepção; o nosso mundo, interpretamos, é o mundo todo. Começamos a interpretar a realidade, como um todo, a partir do que é familiar para nós; ou, dizendo de outra forma, o resto do mundo é visto através das lentes perceptivas de cada indivíduo,  moldadas a partir da sua realidade. É através das nossas vivências mais primitivas e as da nossa infância que vamos aprendendo a reagir ao mundo “do nosso jeito”. Por exemplo, se descobrimos cedo a necessidade de nos defendermos, se no nosso entorno há um ambiente agressivo, provavelmente nossas respostas ao mundo estarão baseadas no medo e serão, predominantemente, de fuga ou de luta. 

No processo de crescimento, ganhamos mais autonomia e vamos estabelecendo as nossas próprias relações, fazendo escolhas,  criando “novas realidades”. Entretanto, ao sairmos para o mundo, como passarinhos que aprenderam a destravar a gaiola,  vemos  nosso contorno de antes, agora alojado em nós. Nesse momento caímos numa outra concepção introduzida por Freud, chamada “compulsão à repetição”. Essa compulsão é uma espécie de ápice, ou uma síntese emblemática  da nossa forma de adaptação que se cristalizou e que agora se repete, não importando as circunstâncias — muito embora, aos nossos olhos, são elas, as circunstâncias que  parecem se repetir. 

As repetições vão muito além e, não raro, estão muito aquém do “Princípio do Prazer”, ou seja, não necessariamente trazem alívio para as nossas dores ou saciam as nossas  necessidades.  Muitas vezes, ao contrário, intensificam as nossas angústias.  

As escolhas que fazemos, a forma como nos relacionamos, como percebemos o mundo, nossos valores, nossos hábitos, como reagimos aos outros, as nossas coerências e as nossas contradições dizem muito sobre a formação dos nossos padrões e sobre certos comportamentos que gostaríamos, mas temos dificuldade de mudar. Como um sintoma, a compulsão à repetição também pode ser encarada como um desafio pessoal. Quando, sem nos darmos conta, agimos sem saber por que, quando nossa vida parece um grande ciclo que se repete, quando nossas rotinas são insatisfatórias, podemos nos perguntar afinal: que parcela de liberdade eu tenho, qual meu papel na construção da minha própria história?  

Para Piaget, “o principal objetivo da educação é criar pessoas capazes de fazer coisas novas e não simplesmente repetir o que as outras gerações fizeram.” Assim, como num processo de aprendizagem,  ao descobrirmos como nos constituímos, por que fizemos determinadas escolhas, por que estabelecemos certos “estilos de vida” etc conquistamos, aos poucos, uma autonomia de outra magnitude. Buscar conhecer com mais profundidade o mundo no qual estamos inseridos, a nossa própria história e a nós mesmos, nos capacita a conquistarmos uma porção mais significativa de verdadeira liberdade. No processo de autoconhecimento vamos ampliando nosso repertório de respostas e nos habilitando a fazer escolhas de uma forma muito mais consciente.  Ganhamos maior capacidade para escolher quem queremos ser no mundo. Mais do que QUEM queremos ser, como um ator, COMO queremos desempenhar os papéis que nos cabem, e escolher que histórias queremos contar a nós mesmos, ao findarmos este percurso  chamado vida. 

 

 

 

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Sobre o autor

Denise Evangelista Vieira

Psicóloga formada pela UFSC e em Artes Cênicas pela Udesc. Escreve sobre o universo humano. Quem somos e em quem podemos nos tornar? CRP 12/05019.


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