00:00
21° | Nublado

Encontro com Van Gogh, por Luzia Almeida

A arte como portal para emoções que não cabem em palavras. (Foto: Pixabay)

Publicado em 28/02/2025

          O sentimento pela arte é algo que se descobre. A descoberta do sentimento pela arte envolve mistérios e singelezas. É necessário que o coração esteja pronto e esteja numa expectativa de conforto e os olhos, num bosque de luz.

          Meu coração iria encontrar-se com Van Gogh — metonímia dupla de namorada — e meus olhos estavam com pilhas novas. Eu já previa o belo, já sabia que o tempo passaria como uma neblina, mas, mesmo prevendo o belo e a neblina deixei-me surpreender porque as cores dos quadros estavam de plantão e a vida que o pintor deixou neles superava o sorriso de “Monalisa”. E eu que pensava que havia mais sorriso em “Monalisa” que estrelas no céu, descobri que pétalas soltas brilham mais que estrelas.

          Fui entrando devagar na sala que era dele e que era luz. Fui entrando e diante de tanta beleza não tive uma reação costumeira, planejada, justificada, não... nada disso!... Tive uma reação adolescente porque era isto que eu era: uma menina. E uma “Amoreira em flor” veio abraçar-me. Quem nunca sentiu abraço de árvore não sabe do que estou falando. É algo que não se esquece!... Até porque é abraço derramado a cântaros... feito pétalas no ar que nos envolvem num sorriso de luz e de som ainda que não haja música e haja solidão de anfitrião. Sim, havia solidão nos seus olhos azuis que, de tanto azul, poderia abrigar-me para sempre. Eu não fugiria daquele azul... nunca! Não fugiria do abraço de árvore, do mar de sentimentos sem fim e com data marcada. Não havia música possível, mas tudo era azul!

          Mas, ainda que não houvesse música, ninguém poderia negar a melodia das pétalas que deixaram o século XIX, perdido na eternidade, para o encontro de um abraço. Quanto será que vale um carinho guardado em cores tão antigas e que atravessou o Atlântico para se fazer laço e abraço numa manhã de muita luz? Quanto será que vale o magnetismo que contorna os traços do pintor holandês? Eu não sei. Quisera saber tanto mais dele...

          A metáfora do mergulho numa obra de arte é válida na proporção que se faz sinestésica: essa comunicação particular com os sentidos em febre e que se configura em lágrimas. E que não são lágrimas de tristeza, tão pouco de alegria. Definições acerca de sentimentos construídos diante ou dentro de uma obra de arte ainda não foram catalogados. Esses ajustes de ideias e de sentidos que se sobrepõem a partir de imagens e cores articuladas duram os minutos necessários para compor uma eternidade.  Sentimentos descobertos com a arte estão além da definição humana.

          Fui entrando na sala de exposição bem devagar porque não queria ser surpreendida tão rapidamente e porque já sabia que a arte era um ponto em seguida na minha vida e no meu elo com ele que me esperava com estrelas e flores. Eu não esperava tanta gentileza e generosidade, ainda assim aceitei a ideia de que as estrelas e as flores da amendoeira foram feitas para meus olhos, embora com impossibilidade de toque. Não havia como tocar a luz. O véu do tempo encobria o lirismo feito cor na obra dele e concretizada nas pétalas da amendoeira.

          Eu não sabia que o tempo estanca para a apreciação de obras de arte. O tempo pegou-me pelo braço e arrebatou-me daquele lugar de música, mas pude capturar a solidão do pintor disfarçada de flores. Desde então guardo em segredo essa união feita de pétalas... Ora, ninguém precisa saber que somos amigos.

 

 

 

Para ler outras crônicas da Luzia Almeida, nossa brilhante colunista clique AQUI

Para voltar à capa do Portal o (home) clique AQUI

Para receber nossas notícias, clique AQUI e faça parte do Grupo de WHATS do Imagem da Ilha.

Gostou deste conteúdo? Compartilhe utilizando um dos ícones abaixo!

Pode ser no seu Face, Twitter ou WhatsApp

Comentários via Whats: (48) 99162 8045


Sobre o autor

Luzia Almeida

Luzia Almeida é professora, escritora e mestra em Comunicação


Ver outros artigos escritos?