Certezas versus Curiosidade, por Denise Evangelista
Refletir sobre o que ignoramos pode ser o primeiro passo para o conhecimento real

“Eu acho incrível como a gente acredita que é verdade o que a gente acredita.” Louise Madeira
Devia ter mais ou menos uns treze anos, a aula de geografia ia começar, e no meio da bagunça generalizada, o professor, provavelmente num momento de inspiração, resolveu iniciar dizendo: “Vocês são ignorantes, eu sou ignorante, nós somos ignorantes!”. Não estava preparada para aquilo que, imediatamente, recebi como uma agressão. Como assim, dizer que eu era ignorante? Naquela época, é claro, preferia me achar inteligente, sem saber ainda que ser ignorante não quer dizer, necessariamente, ser obtuso. Dependendo do que estivermos falando, ser ignorante pode significar, apenas, aquele que ignora, que desconhece ou que não sabe de alguma coisa. Foram anos com aquele professor atravessado! O tempo passou e comecei a entrar em contato com alguns textos, algumas disciplinas que me foram sugerindo alguma flexibilidade no meu modo de pensar. Comecei a descobrir que os saberes não são tão absolutos assim, que eles estão relacionados às culturas, à história, possuem camadas e estão ligados até, à forma como aprendemos a pensar. Foi-se revelando para mim que as crenças têm lugar central na nossa constituição como sujeitos — elas são estruturantes, fazem com que tenhamos valores e, às vezes, uma hierarquia bem definida a respeito deles, determinam escolhas e até roteirizam o que fazemos dos nossos dias. Religiões, por exemplo, procuram dar sentido àquilo que Ariano Suassuna perguntaria à Deus, se tivesse oportunidade: “Por que sofremos tanto?”.
Para Kalil Gibran: “Ninguém pode vos revelar senão aquilo que já repousa, adormecido, na aurora do vosso conhecimento.” Daí a importância de termos referências sólidas e experiências. Sobre o longa-metragem Echo Valley, a atriz Julianne Moore diz que “existem situações que não compreendemos antes de vivê-las (...) A vida é um grande mistério, não temos ideia do que pode acontecer, e por isso é tão interessante aprender com os outros.” (Folha de São Paulo, 13.06.2025, p. B7). Essa concepção de que podemos aprender com os outros porque não podemos viver tantas vidas e inevitavelmente vamos nos deparar com surpresas para as quais não necessariamente estaremos preparados, coloca a literatura e as histórias de um modo geral, num lugar privilegiado para que aconteça efetivo compartilhamento de conhecimento. Diante dos nossos olhos, os acontecimentos vão se desenrolando e vamos compreendendo as razões de cada personagem. Histórias, especialmente as bem contadas, têm a capacidade de demonstrar a complexidade do mundo, suas riquezas, belezas, contradições, paradoxos etc.
Prêmio Nobel de Economia, o psicólogo Daniel Kahneman afirma que “a incerteza é normalmente associada com a possibilidade de perda, algo que atrai a preocupação das pessoas. Não é de surpreender que a incerteza seja muito ameaçadora.” (Neoway, 11.07.22). Neste sentido podemos pensar que as nossas certezas representam maior segurança do que a nossa abertura em admitirmos as fragilidades do nosso conhecimento, bem como um impedimento para nos abrirmos ao diálogo ou nos empenharmos em aprender com os outros. Muitas vezes só procuramos por informações que confirmem aquilo que acreditamos e, pior, a despeito das fontes.
Hoje, diante de tantas manipulações digitais, seria interessante presumirmos sempre que podemos estar errados. Simon Kuper, escritor e jornalista britânico, observou hábitos de grandes intelectuais e sugeriu alguns. Um deles é que sejamos multidisciplinares. Ele diz: “A Viena do pré-guerra produziu pensadores como Freud, Hayek, Kurt Gödel e o polímata John von Neumann.” Kuper afirma: “A estrutura da universidade ajudou. A maioria das disciplinas eram ensinadas nas faculdades de direito e de filosofia, isso borrou as fronteiras entre as disciplinas”, de acordo com “Richard Cockett em ‘Viena: Como a Cidade das Ideias Criou o Mundo Moderno.’ Romper silos vai contra a configuração da academia moderna. Também requer uma capacidade de processamento sem precedentes, dado o quanto de conhecimento se acumulou em cada campo.” (Kuper, Folha de São Paulo, 04.06.2025, p. B16). Outro aspecto importante que ele pontua a partir das suas observações é que “os melhores pensadores estão sempre aprendendo com os outros, não importa quão jovens ou de baixo status sejam.” (idem). E para concluir, ele lembra de estar num jantar “onde as duas pessoas que menos falavam e mais ouviam, eram os dois laureados com um Nobel.” (idem). Meu professor de geografia estava certo, humildade é, sem dúvida, uma grande aliada da inteligência.
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Sobre o autor

Denise Evangelista Vieira
Psicóloga formada pela UFSC e em Artes Cênicas pela Udesc. Escreve sobre o universo humano. Quem somos e em quem podemos nos tornar? CRP 12/05019.
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