As hortênsias de Marina, por Luzia Almeida
A força de uma crônica está em provocar o leitor e essa nos coloca frente a frente com nossas omissões

Marina Colasanti falando sobre crônica diz “é um texto a cavalo” e “corre em pista pesada”. A crônica relata fatos do cotidiano como ela mesma diz: “corre em pista pesada porque lida ao mesmo tempo com as coisas mais ásperas, como economia e política, as mais dramáticas, como guerras, violência e tragédia e as mais poéticas...”. Isso mesmo! A crônica dá uma volta sobre a sociedade e como um fotógrafo capta o que há de mais terrível e poético. Assim, percebe-se na crônica “As hortênsias, a água-viva e o cavalo” de Colasanti a primeira parte de seu conceito. A segunda parte, poética, acontece na mente do leitor a partir da empatia ao se posicionar diante dos fatos.
Mas, o que é empatia?
De acordo com o dicionário, empatia é a “capacidade de se identificar com outra pessoa, de sentir o que ela sente, de querer o que ela quer, de apreender do modo como ela apreende etc.” Deste modo, podemos observar na crônica, as atitudes humanas ao lidar com o bem público, com a natureza e com seu próprio bem.
O bem público (as hortênsias num canteiro) é violado: “Mas os três logo se recompuseram. Agacharam à beira dos canteiros, os famosos canteiros de hortênsias, [...] e puxando e cavando e arrancando puseram-se a desenraizar moitas inteiras”. A narradora adverte indignada: “—Parem com isso”. Mas, parar é que não vão!... não há guardas por perto e só uma voz civil não é suficiente.
O bem natural (uma água-viva) é destruído: Dois jovens saem do mar e carregam uma água-viva e a narradora, prevendo que daquela cena não pode sair coisa boa, tenta interceder em favor do animal marinho:
“— O que vocês vão fazer com ela?
— Vamos tocar fogo.
E os valentes caçadores caminham para um trailer.”
Tocar fogo numa água-marinha é um tipo de diversão. Será possível? Sim. Brincar com a destruição alheia é algo comum em muitos games.
E o próprio bem (um cavalo) é negligenciado: Eis que um cavalo está ao sol e a narradora tenta convencer seu dono a colocá-lo na sombra: “— Não dá pra botar ele na sombra?” [...] — Precisa, sim. O pobrezinho está derretendo.
“O cavalo, orelhas pendentes, olhar baço, solão em cima.”, e ela insiste ainda mais uma vez: “— Moço é só puxar um pouquinho”. Aí está a dualidade humana: a caridade e a indiferença. Ver um animal sofrendo ao sol acende na narradora seus sentimentos de empatia. Ela sofre porque vê o animal sofrendo e se aproxima do dono para mudar a situação: temos aqui o sentido prático daquilo é empático. Essa tentativa é que faz da narradora um modelo, um exemplo de cidadã num mundo de indiferenças. O dono do cavalo permanece insensível e ela não pode fazer nada, apenas apontar a injustiça praticada contra o animal. Não o convence, mas... e daí? Fica o registro de uma voz de protesto contra um homem maltratando seu próprio animal. Fica na crônica esse painel que aponta os polos humanos: de um lado a maldade e a indiferença e de outro o respeito e a caridade. O leitor vive a poesia da crônica ao deparar-se com sua própria humanidade preferindo as hortênsias no canteiro, a água viva no mar e o cavalo na sombra. Eis o sentido de empatia validado, porque é impossível que o amor resulte inútil.
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Sobre o autor

Luzia Almeida
Luzia Almeida é professora, escritora e mestra em Comunicação
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