Ao lado de Pablo Neruda, por Luzia Almeida
A poesia que transcende o tempo e revela a melancolia e a beleza do “entre”, espaço onde os sentimentos se ocultam

Eu gostaria muito de passear ao lado de Pablo Neruda, mas não seria em uma hora qualquer, a qualquer tempo, seria como descreveu a Florbela “a essa hora dos mágicos cansaços, / Quando a noite de manso se avizinha”, porque não seria um passeio que se reproduziria, seria único.
Eu gostaria muito de passear ao lado de Pablo Neruda para falar de paisagens, de espaços físicos e metafísicos como um espaço que ele mesmo descobriu como se descobre um planeta reluzente. Descobriu e escreveu o Soneto XVII: “Não te amo como se fosses rosa de sal, topázio / ou flexa de cravos que propagam o fogo: / te amo como se amam certas coisas obscuras, / secretamente, entre a sombra e a alma”. Eu pararia a caminhada e pediria solenemente: fale-me, por favor, sobre esse “entre a sombra e a alma”. Entre é um espaço intermediário, é um tipo de crepúsculo lírico que acomete os poetas... ficaria toda ouvidos com a voz dele, não por causa da explicação em si, mas por conta do encantamento da surpresa.
Ele não responderia, sorriria apenas e, talvez, lembrando de um antigo amor ou de um amor impossível declamasse bem baixinho a segunda estrofe do soneto, enquanto voltava a caminhar silenciosamente e sem ter certeza de que eu continuava ao seu lado: “Te amo como a planta que não floresce e leva / dentro de si, oculta, a luz daquelas flores, / e graças a teu amor vive escuro em meu corpo / o apertado aroma que ascendeu da terra”. Seria um passeio como idealizou a Cecília: “O menino quer um burrinho / para passear / Um burrinho manso, / que não corra nem pule, / mas que saiba conversar”. “O menino quer um burrinho” e eu quero um poeta, porque é preciso que haja tristeza disfarçada de melodia e os burrinhos não sabem disfarçar sentimentos. Passear se tornou um verbo que pede imperativo e as palavras precisam da força do coração. Mesmo que o burrinho “saiba dizer / o nome dos rios / das montanhas” e “das flores”, mesmo que ele “saiba inventar histórias bonitas”... ainda assim seria uma companhia desconcertante porque ele não saberia dizer o que existe “entre a sombra e a alma” e esse espaço é tão lírico quanto triste.
Passear com Pablo Neruda seria um passeio azul embora fosse numa tarde que se finda com rasgos vermelhos de um sol que sempre vai embora. Seria um azul misterioso e quase sombrio ao ponto de despertar interesse das pessoas. Nada gritante ou alarmante... Simples! Mas de uma simplicidade instigante que faz até o leigo refletir.
Pablo Neruda não economizou investimentos nos sentidos e como um jogador apostou tudo nas palavras de um modo assustador. Ninguém se atreve a fazê-lo parar na roleta lírica, felizmente.
Eu pensaria em uma estratégia para fazê-lo falar, mas seria vencida pela noite que acabara de chegar e que tomava conta totalmente do poeta. Eu pararia no meio do caminho por uma questão de respeito, pararia e ficaria vendo-o caminhar sozinho, no silêncio do seu coração, perdido em seus pensamentos.
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Sobre o autor

Luzia Almeida
Luzia Almeida é professora, escritora e mestra em Comunicação
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