Este papo está para Qualquer Coisa! Ou Tá Joia, por Duda Hamilton
Os álbuns unem influências internacionais e brasileiras, com repertório que vai de Beatles a Chabuca Granda
Nos anos 1970, não era comum na discografia brasileira um músico lançar dois álbuns no mesmo ano, o usual era LP duplo ou LP simples. Caetano Veloso, que há pouco tinha voltado de Londres e acabava de vivenciar o malsucedido Araçá Azul (1973), inovou e lançou em julho de 1975, portanto, há 50 anos, os discos Qualquer Coisa e Jóia, na época a palavra tinha acento. O projeto inicial era um disco duplo, mas as diferentes sonoridades fizeram com que virassem dois. Qualquer Coisa foi um marco na carreira de Caetano e vendeu mais do que o dobro de Jóia.
É neste trabalho que se sobressai o intérprete, o jeito “Caetanear”. No meu quarto com clarabóia, no toca-discos vermelho os lados A e B não paravam de rodar as diferentes sonoridades: uma bossa bem sensual, uma levada cubana, um romântico bolero, além de músicas dos meninos de Liverpool. Assim, eu desvendava o baiano sensual e liberto.

Ambos os álbuns mostram a liberdade artística de Caetano Veloso em plena ditadura.
No repertório, nada menos do que Beatles, Chico Buarque, Jorge Ben e a peruana Chabuca Granda. Caetano canta em inglês, português e espanhol, reconstruindo e interpretando músicas como Eleanor Rigby, de Lennon e McCartney, que transformou num sublime samba lento com voz, violão e percussão, ou na nova vida que deu para Samba e Amor, de Chico, só voz e violão.
Destaques também para Jorge da Capadócia, de Jorge Ben, onde Caetano num violão meio bossa cria um ritual com a percussão e um coral de vozes, e Drume Negrinha, versão da música de Ernesto Grenet, voz e violão de Caetano, que ganha a companhia do piano bossa caribenha de João Donato, o balanço único de Donato num tom leve “Drume Negrinha/que eu te transo uma nova caminha”.
Em espanhol, Caetano interpreta suavemente La Flor de la Canela, da cantora e compositora, Chabuca Granda. O baiano explora sua doce voz, mescla com instrumentos e ainda mostra sua potencialidade como compositor em Qualquer Coisa, A Tua Presença Morena, Da Maior Importância e Nicinha. Os arranjos bem elaborados são de responsabilidade de Caetano, Perinho Albuquerque e do mestre João Donato.
A capa de Rogério Duarte, uma colagem de quatro fotos do cantor, faz referência à pop arte de Andy Warhol e à capa de Let It Be, dos Beatles. Neste álbum, Caetano mostrou ao Brasil que sua arte é Da Maior Importância, é Qualquer Coisa!

Enquanto Qualquer Coisa evidencia o lado sensual e interpretativo do artista, Jóia traz experimentalismo e intimismo.
Diferente, JÓIA é um trabalho muito intimista, sem bateria e com percussão tribal, um trabalho bem experimental, possível de compará-lo com Araçá Azul. O LP é poético, explora bem a voz suave, o tom agradável e harmônico de Caetano Veloso e, acima de tudo, une o experimentalismo com a simplicidade.
Sua capa original, com Caetano, Dedé e Moreno Veloso nus, foi censurada pela ditadura militar e teve sua distribuição proibida. A nova versão chegou com delicadas pombas nos órgãos genitais do compositor. Joia é marcado por clássicos como Lua, Lua, Lua, Lua, Minha Mulher, Na Asa do Vento e Canto do Povo de Um Lugar - Todo dia o sol levanta / E a gente canta / Ao sol de todo dia.
Minha predileta, a intimista Na Asa do Vento, uma dose certa de voz, violão e poesia: A lua é clara, o sol tem rastro vermelho/ é um mar um grande espelho onde os dois vão se mirar/ rosa amarela quando murcha perde o cheiro/ o amor é bandoleiro pode inté custar dinheiro / é flor que não tem cheiro e todo mundo quer cheirar / Todo mundo quer deixar olá lá viu / Todo mundo quer cheirar.
O álbum conta com valiosas presenças: violão e voz de Gilberto Gil, as vozes do Quarteto em Cy e a percussão de Djalma Corrêa. Jóia, que dá título ao disco, é puro experimento de vozes e batidas, e Escapulário, um bom samba Dai-me Senhor / A poesia de cada dia. Beatles volta ao repertório do baiano com Help, voz e um estridente violão experimental. Caetano é Tudo Tudo Tudo, muitas palmas!
Qualquer Coisa e Jóia tem suas parecenças, além do ano de lançamento e da voz e poesia de Caetano. Os dois trabalhos são predominantes acústicos e mostram a criatividade e a liberdade que o cantor buscava em plena ditadura militar, e que até hoje encontramos em seus trabalhos. Caetano Veloso, sem dúvida, é um dos maiores gênios da música brasileira.

Os discos refletem o contexto da ditadura militar e consolidam Caetano como um dos maiores gênios da música brasileira.
QUALQUER COISA
1. "Qualquer Coisa" (Caetano Veloso)
2. "Da Maior Importância" (Caetano Veloso)
3. "Samba e Amor" (Chico Buarque)
4. "Madrugada e Amor" (José Messias)
5. "A tua presença morena" (Caetano Veloso)
6. "Drume Negrinha" (Drume negrita) (Ernesto Grenet)
7. "Jorge de Capadócia" (Jorge Ben)
8. "Eleanor Rigby" (McCartney, Lennon)
9. "For No One" (McCartney, Lennon)
10. "Lady Madonna" (McCartney, Lennon)
11. "La flor de la canela" (Chabuca Granda)
12. "Nicinha" (Caetano Veloso)
JÓIA
1. Minha mulher (Caetano Veloso)
2. Guá (Caetano Veloso, Perinho Albuquerque)
3. Pelos olhos (Caetano Veloso)
4. Asa (Caetano Veloso)
5. Lua lua lua lua (Caetano Veloso)
6. Canto do povo de um lugar (Caetano Veloso)
7. Pipoca moderna (Caetano Veloso, Sebastião Biano)
8. Jóia (Caetano Veloso)
9. Help (J. Lennon, P. McCartney)
10. Gravidade (Caetano Veloso)
11. Tudo, tudo, tudo (Caetano Veloso)
12. Na asa do vento (Luiz Vieira, João do Vale)
13. Escapulário (Caetano Veloso, Oswald de Andrade)
Texto por Duda Hamilton
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