Saúde ou boa gastronomia?
Sou um apreciador de bancas de revistas, mesmo com quilos de exemplares com magricelas e sarados posando nas capas e vendendo boa forma - não saúde - com dietas milagrosas, onde geralmente os alimentos saborosos são taxados de vilões. Em contraponto, na mesma banca, esculturas culinárias estampam capas de revistas que viraram hit: Gula, Prazeres da Mesa, Menu, Gosto...
Mas, como comer bem, de forma caseira e saudável, em uma sociedade doente? Como explicar esse, cada dia maior, interesse na boa gastronomia em tempos de prateleiras de supermercados transbordando produtos lights e diets, livres de gorduras e de açúcares e, principalmente, livres de sabor? Como aceitar que um produto que tem menos gordura, menos açúcar, menos produto, enfim, é tudo menos, custe tanto mais? Essa tendência off gordura/açúcar, se é que podemos chamar esse movimento neurótico de tendência, vem afetando diretamente a evolução da gastronomia, e chega a distorcer uma evolução que parecia natural. Natural, aliás, é o que todo alimento deveria ser!
Natural não é light, diet, leite desnatado, clara de ovo e manteiga com menos gordura! Natural é leite de uma vaquinha, tirado de manhã e, muitas vezes, tomado antes mesmo de esfriar, com a caneca cheia não só de leite, mas também de carinho. Sou fã do binômio quantidade/qualidade: consumir menos quantidade e mais qualidade. E do leite criaram “coisas” saudáveis incompreensíveis, como a massa de modelar batizada de queijo light, um subproduto do já sem sabor queijo branco. Não que eu não goste de queijo branco: o italiano pecorino é branco como a ovelha que produz o seu leite, assim como é branco o queijo da Serra da Estrela produzido com o mesmo leite em uma microrregião de Portugal. O branquíssimo árabe chanclish vem da cabra, e o milanês mascarpone é branco como o creme de leite da vaca, porém ácido e fresco no sabor.
Todos brancos, deliciosos, gordurosos e calóricos. Mais vale meia fatia de um deles a uma peça de um queijo light sem gordura e sem sabor. Exceção à regra são os queijos de búfala, brancos e magros, mas saborosos, principalmente servidos com muito azeite. Mas, mesmo saudável, o azeite é gordo! Há uma lenda gastronômica que diz que quanto mais amarelo é o queijo, mais calórico, gorduroso e prejudicial à saúde ele é. Se assim for, quero o alaranjado queijo holandês mimolete no meu leito de morte, e no epitáfio algo como: “aqui jaz alguém que foi feliz, um pecador gastronômico!” Mas não só o leite e seus derivados são crucificados pelos guardiões da boa forma. Eles mudam o alvo conforme a dieta ou o remédio da moda: o ovo vai de vilão a herói conforme a interpretação do momento. A carne vermelha é excomungada dos cardápios diante de explicações infundadas.
Os transgênicos são taxados de grandes vilões, mesmo sem saberem o que é e nem há quantos séculos a transgenia, na sua definição básica, é praticada. Vez por outra, por mais orgânica e natural que seja, a batata entra nessa lista negra, ao lado de outros alimentos que fizeram parte da evolução humana. Como a grande e saborosa vilã, hoje na berlinda: a farinha de trigo. Carrega pecados em forma de fios de macarrão, em discos de pizza, cupcakes enfeitados e até em pãezinhos perfumados e crocantes!
E o que dizer dos açúcares em forma de doces, sorvetes, bolos e chocolates? Desde o brasileiro brigadeiro – bolinho de chocolate com granulado criado para ser distribuído em festas e comícios da campanha de um Brigadeiro, “que é bonito e é solteiro” como dizia o slogan de sua candidatura – até os mais sofisticados macarrons, são o grande pecado de devotos gourmants e gourmets. Temos que apreciar muito cada momento e cada garfada em receitas de qualidade para sermos gastronomicamente felizes em tempos em que o IMC é um referencial. A conclusão que chego é que é uma arte harmonizar prazer à mesa, nos pratos e nos copos, com uma vida saudável, não necessariamente magra ou feliz.
Por fim, não tem como levar a sério dietas da moda, cantadas e endeusadas em bancas de revistas por “personal bombers”, nutricionistas-celebridades, médicos-globais e tantos outros “profissionais” que criam e inventam moda sem nenhuma referência ou coerência. Outra triste conclusão é que, analisando o meu IMC, constatei que tenho um sério problema: estou abaixo da altura ideal e preciso urgentemente crescer pelo menos dez centímetros! Vou me esforçar para isso, mas comendo tudo que me faz feliz!