O meu Bistrô... e o fim de um ciclo!
Escrever é meu hobby, e às vezes até parte da minha profissão, afinal sou um contador de estórias de cozinha e um escritor de receitas. Sempre que penso em um tema, pesquiso incansavelmente sobre ele e defino um fluxograma como será o desenrolar deste.
A tempo, fluxograma é a mostra visual de um passo a passo de ações que envolvem um determinado processo... Sou bacharel em matemática e trago esses processos da minha formação para o meu dia-a-dia, desde a cozinha até os meus hobbies. Costumo escrever aqui sobre produtos, tendências na gastronomia, técnicas culinárias ou sobre alguma receita clássica.
Hoje vou me ater ao meu Bistrô, deste seu nascimento até o fim deste ciclo. Mas como escrever sobre o fim de um ciclo? Nos últimos tempos li muito sobre “fim de ciclos”: restaurantes e negócios que encerraram as atividades por falta de clientes ou por excesso de impostos, por falta de equipe de apoio ou por excesso de exigências do mercado, enfim, por muita falta ou excesso de muita coisa, sucumbiram a um país em crise moral e econômica.
No caso do Bistrô, é um pouco de cada excesso e de cada falta, mas para explicar essa decisão resolvi analisá-lo desde a sua concepção e revirar o baú das memórias para encerrar esse ciclo com coerência e consistência. Para criar a postagem das redes sociais, recorri a imagens do oráculo Google: perfeito usar a cena final do filme que deu nome ao meu Bistrô, o Muito Além do Jardim, com Peter Sellers interpretando um jardineiro alienado e genial.
Qual não foi a minha surpresa quando pesquisei o filme, e imagens do filme se confundiam com imagens dos vinte e dois anos de Bistrô: pratos, receitas, ambientes. Tudo misturado às cenas de um filme que sempre me inspirou! Pela primeira vez tive a sensação que estou deixando minha marca no mundo.
As memórias vieram me mostrando o quanto fiz no comando da cozinha deste restaurante que nasceu em 1996 no ‘puxadinho’ de um amigo no centrinho da Lagoa da Conceição. Na época, pouco, que era quase nada, sabia de cozinha de bistrô, suas técnicas, seus equipamentos ou seu funcionamento.
Foto: Divulgação
O fogão era um caseiro de seis bocas, o forno, o clássico Fischer, as louças e cristais foram presentes do casamento recém realizado, cadeiras e mesas emprestados, o computador para gerir as planilhas de controle não passava de um caderno universitário com uma calculadora de bolso. A decoração era um amontoado de peças de meu tempo de antiquário com algumas fotos de cinema douradamente emolduradas.
Tinha coragem e vontade, muita cara-de-pau e, felizmente, amigos! Sanduíches e massas compunham o cardápio. O filé-mignon entrou graças à paciência de um cliente-empresário que me deu dicas de como deixá-los saborosos e suculentos. Não preciso falar que além de cliente, tornou-se um grande amigo e padrinho!
Neste momento apareceram os cursos e eventos gastronômicos, onde eu tinha lugar cativo: tudo que ganhava com meu trabalho como produtor/publicitário, alimentava meu sonho e meu Bistrô. No final dos anos 1990 o Bistrô ganhou a forma que tem hoje no Beco dos Surfistas, projeto de uma grande arquiteta que materializou tudo que nós, eu e Fafá, esperávamos de um negócio!
Desde lá, como em todo negócio, turbulências de todas as ordens tentaram destruir esse projeto: invejosos de plantão, pessoas sem escrúpulos, planos de governo, crises econômicas, as ditas leis trabalhistas, os trabalhadores acomodados, enfim, tudo que todo empreendedor brasileiro sente na pele no dia a dia. Mudamos muitas vezes “o modelo” do Bistrô, nos adaptando a esses intempéries, e estamos no mercado há mais de 22 anos. Sempre respeitando a gastronomia e valorizando os nossos bons clientes.
Chegou a hora de mudar. Não mudar de lugar e sim mudar de foco, criar um novo projeto, inovar e surpreender como sempre fizemos. O Bistrô Muito Além do Jardim encerra suas atividades. Encerramos esse ciclo! Continuarei sendo um cozinheiro, sem a menor pretensão de um dia ser chef! Continuaremos lutando por um serviço elegante e de boa qualidade! Continuaremos lutando para fazer de Floripa uma cidade melhor com turismo de qualidade e mão de obra qualificada para o setor!
Não desistimos de tudo que construímos: vamos usar todo esse conhecimento e aprendizado para mais uma vez inovar. E, voltando ao “baú de recordações”, lembro quantas vezes escutei que era louco em acreditar que um Bistrô, um pequeno restaurante em um canto escondido da Lagoa da Conceição, nunca, em hipótese alguma, poderia dar certo... E deu. Durante vinte e dois anos atendemos, cozinhamos e fizemos história. Obrigado a todos que nos apoiaram nesses anos todos e a todos os parceiros comerciais de jornada... e curtam os últimos momentos do Bistrô!