Música, caipirices e comida!
Muitas vezes me pego cantarolando uma moda de viola, daquelas que emocionam nas rádios AM no Brasil rural. Não falo desse sertanejo universitário das vozes esganiçadas inaudíveis com calças justas e cinturas finas. Falo das canções caipiras que ladeiam o leite recém-tirado com o café passado no bule, do pão bem sovado e do queijo fresco nas manhãs escuras dos sítios que são, ou deveriam ser, os principais responsáveis pelos bons produtos que enriquecem as mesas dos que sabem e gostam de comer.
São canções, emoções e sabores simples e puros. Caipira por definição de dicionário é “aquele que vive no campo ou na roça; que tem hábitos e modos rudes devido à pouca instrução ou escasso convívio social”... uma tolice acadêmica! Caipira por definição gastronômica, se é que já existe uma, é aquela sensação, aquele sabor que nos acolhe e nos remete às nossas raízes, afinal somos Jeca Tatu na essência, ou deveríamos ser, e nos entristecer por não mais sê-lo.
Cozinhar caipira é expor a alma sem medo e nem ‘pré’ conceitos. É refogar na banha e bater nata para fazer manteiga, é descascar o arroz no pilão e pilar o milho para fazer a quirela, ou o pinhão para fazer paçoca, e se nada disso fizer, ter a ciência do quanto seria bom fazê-lo.
Na história culinária recente, da qual boa parte muito provavelmente será esquecida, os cozinheiros deixaram a caipirice de lado e passaram a ser top chefs. As cozinhas se transformaram em laboratórios, lavanderias cheias de espumas ou ateliers de uber-escultores.
E quando encontramos nestas cozinhas um fogão à lenha, panelas de ferro ou colheres de pau, geralmente são peças ‘marqueteiramente’ pensadas.
Os restaurantes, antes locais de encontro onde a boa comida era obrigatória, e a alegria também, se transformaram em templos de adoração aos chefs estrelados discursando sobre essa fantasia gastronômica. E o que dizer do silêncio arrepiante do salão? E daquela música ambiente que se assemelha a trilhas sonoras de Tim Burton para fazer um “estilinho cool”, “estilinho hipster”?
Amo Tim Burton, seus filmes e suas trilhas sonoras, mas suas trilhas nos seus filmes e não como complemento musical gastronômico! A música é o alimento das nossas almas e sua harmonização com o cardápio é fundamental para uma refeição perfeita. É como um tempero equilibrado que pouco se percebe, mas a sensação agradável torna-se clara no paladar, e na audição.
Não existem vestígios na história de quando a música surgiu na vida do homem; alguns românticos afirmam que ela surgiu com o homem, assim como surgiu a necessidade de se alimentar para sobreviver, surgiu a necessidade de cantarolar para ser feliz. Dos primeiros grunhidos dos homens das cavernas até a voz deliciosamente acre de Adele, a música é tão presente na vida humana quanto o alimento.
Seja caipira, clássica, moderna, ou até futurista, não importa, a boa música alimenta nossos ouvidos e a boa comida é a música do nosso paladar.