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Música, caipirices e comida!


Publicado em 01/04/2016

Muitas vezes me pego cantarolando uma moda de viola, daquelas que emocionam nas rádios AM no Brasil rural. Não falo desse sertanejo universitário das vozes esganiçadas inaudíveis com calças justas e cinturas finas. Falo das canções caipiras que ladeiam o leite recém-tirado com o café passado no bule, do pão bem sovado e do queijo fresco nas manhãs escuras dos sítios que são, ou deveriam ser, os principais responsáveis pelos bons produtos que enriquecem as mesas dos que sabem e gostam de comer.

 

São canções, emoções e sabores simples e puros. Caipira por definição de dicionário é “aquele que vive no campo ou na roça; que tem hábitos e modos rudes devido à pouca instrução ou escasso convívio social”... uma tolice acadêmica! Caipira por definição gastronômica, se é que já existe uma, é aquela sensação, aquele sabor que nos acolhe e nos remete às nossas raízes, afinal somos Jeca Tatu na essência, ou deveríamos ser, e nos entristecer por não mais sê-lo.
 

Cozinhar caipira é expor a alma sem medo e nem ‘pré’ conceitos. É refogar na banha e bater nata para fazer manteiga, é descascar o arroz no pilão e pilar o milho para fazer a quirela, ou o pinhão para fazer paçoca, e se nada disso fizer, ter a ciência do quanto seria bom fazê-lo.


Na história culinária recente, da qual boa parte muito provavelmente será esquecida, os cozinheiros deixaram a caipirice de lado e passaram a ser top chefs. As cozinhas se transformaram em laboratórios, lavanderias cheias de espumas ou ateliers de uber-escultores.

E quando encontramos nestas cozinhas um fogão à lenha, panelas de ferro ou colheres de pau, geralmente são peças ‘marqueteiramente’ pensadas.

 

Os restaurantes, antes locais de encontro onde a boa comida era obrigatória, e a alegria também, se transformaram em templos de adoração aos chefs estrelados discursando sobre essa fantasia gastronômica. E o que dizer do silêncio arrepiante do salão?  E daquela música ambiente que se assemelha a trilhas sonoras de Tim Burton para fazer um “estilinho cool”, “estilinho hipster”?

 

Amo Tim Burton, seus filmes e suas trilhas sonoras, mas suas trilhas nos seus filmes e não como complemento musical gastronômico! A música é o alimento das nossas almas e sua harmonização com o cardápio é fundamental para uma refeição perfeita. É como um tempero equilibrado que pouco se percebe, mas a sensação agradável torna-se clara no paladar, e na audição.
 

Não existem vestígios na história de quando a música surgiu na vida do homem; alguns românticos afirmam que ela surgiu com o homem, assim como surgiu a necessidade de se alimentar para sobreviver, surgiu a necessidade de cantarolar para ser feliz. Dos primeiros grunhidos dos homens das cavernas até a voz deliciosamente acre de Adele, a música é tão presente na vida humana quanto o alimento.
 

Seja caipira, clássica, moderna, ou até futurista, não importa, a boa música alimenta nossos ouvidos e a boa comida é a música do nosso paladar.