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MOMENTO SAUDOSO
Coluna de André Vasconcelos

Foto: Arquivo Pessoal

Publicado em 04/11/2015

Para os que costumam acompanhar minhas crônicas aqui, ali, ou acolá, fica claro o quão saudosista sou, saudosista de tudo, mas nem por isso melancólico! Tenho saudades do meu tempo de colégio, público e bom, onde formávamos fila no pátio (militarismo, patriotismo ou civismo?) para cantar o Hino Nacional. Sinto saudades da carteira escolar com tampo de madeira, da maleta de napa vagabunda com cadernos e livros encapados, estojo de madeira e sonhos. Saudades da merenda da minha mãe: na lancheira azul, o sanduiche de queijo e a garrafinha de tampa rosqueada cheia de leite gordo com Nescau e muito açúcar que, por vezes, azedava antes do intervalo entre as aulas.

Saudades da cantina... será que ainda chamam assim aquele oásis de sabores infantis? Falo “infantis” do tempo que eu era criança, pois hoje, provavelmente, infantil é sinônimo de refeição equilibrada, com sal controlado, sem lactose ou o inescrupuloso glúten, tudo de origem orgânica conferida em tablets e smartphones com aplicativos de última geração que localizam a plantação e o sorriso branco-neve do produtor em um avental Dolce & Gabanna e boné Rip Curl. Saudades do tempo em que o olhar doce ladeando a bochecha honestamente rosada do sitiante bastava para confiar na origem do produto. Aliás, o quanto custou para a natureza a fabricação destes tablets e smarthphones?

Qual o custo ecológico para se deliciar com maças orgânicas da Nova Zelândia consumida por politicamente corretos que, ecologicamente preocupados, só consomem produtos orgânicos mesmo que produzidos a 13 mil km de casa? Saudades do tempo que só comíamos maças em seu período de safra. Fora dela, sonhávamos e esperávamos ansiosos por estas frutas. Saudades do tempo em que respeitávamos o ciclo normal da natureza, não porque éramos politicamente corretos mas, simplesmente, porque não pensávamos nisso. Saudades do tempo em que se alimentar não era uma equação que combinava discurso saudável + produtos certificados / responsabilidade social + composições nutracêuticas * pratos funcionais... e tudo isso igual a nada que tenha sabor saudoso de um almoço caseiro.

Saudades do arroz (branco), feijão (com toucinho), bife (batido com martelo de madeira) e batata frita (feita na banha) que reunia a família todo dia no almoço, da macarronada das quintas-feiras e do peixe à milanesa das sextas, pois, como eram as mães que cuidavam de tudo na casa, e até do almoço, este era repetidamente rotineiro sem nunca perder o sabor e o tempero que perfumava o quarteirão todo com fome. Se era biologicamente saudável a saudosa comilança de minha infância não tenho ideia,  mas deveria ser, pois o riso era mais solto e os rostos mais corados, pulávamos mais e corríamos como loucos até anoitecer, e o jantar depois do banho e do pijama de flanela, era um lanche ou, no máximo, uma sopa cheia de sabor de saúde. Dormir de barriga cheia era sinônimo de felicidade, e tudo isso antes da novela das oito, pois Regina Duarte e Claudio Marzo faziam coisas na TV que só adultos podiam ver. Enquanto isso, os dias felizes passavam lentamente, com bolinhos de chuva nas tardes chuvosas e leite gelado com groselha (vitaminada Milani) nas tardes ensolaradas. Saudades do tempo em que o tempo corria lento entre uma deliciosa refeição e outra... saudades...