Encontros e despedidas
No vai e vem da vida, muitas lembranças boas permanecem na memória
A vida imita a arte ... ou é a arte que imita a vida? Da arte, da sétima arte, adoraria transpor para a vida real uma trilha sonora do dia a dia, tipo musical da “Metro Goldwyn Mayer”, com orquestras faraônicas entoando canções a cada movimento que faço, estilo “singing in the rain”. Mas, por vezes, a trilha sonora que me vem à cabeça não é nada hollywoodiana, ao contrário, é bem brasileira e mineira, beirando o cafona: “ a vida se repete na estação, tem gente que chega pra ficar, que vai pra nunca mais... que vem e quer voltar... que vai e quer ficar!”
Na letra de Milton Nascimento, a metáfora usada do vai e vem da nossa vida como uma estação de trem é muito bem colocada, e certamente vale para tantas outras situações da vida, inclusive da minha vida na cozinha do Bistrô, onde as receitas entram e saem do cardápio, algumas ficam e algumas nunca voltam. Quando me atiro de cabeça nos livros de culinária, de um coquetel feito com letrinhas, ingredientes e técnicas, surgem novas receitas, originais ou releituras das clássicas e das populares. Das que vêm e querem voltar existem alguns molhos que, para mim, são inesquecíveis, e nem sei por que se foram: molho escuro ao Frangélico com avelãs torradas que, ao lado de um tournedo, ficou na memória de muitos clientes.
O de nata com gengibre fresco e echalotas para contrapor com o sabor marcante do lombo de hadoque tostado na brasa. Ou o de tangerina com pimentas verdes frescas guarnecendo um magret! Tem também o inusitado molho de café e menta em clássica receita de ovelha. Existem também as receitas da moda que foram jogadas nas catacumbas da memória de gourmets saudosistas: quem, com mais de quarenta, não lembra de pelo menos uma delas, como o coquetel de camarão?
Camarões gigantes cozidos em água e sal debruçados na borda da taça de cristal com o corpo mergulhado em uma mistura bizarra de maionese, catchup, creme de leite e conhaque... detalhe: a taça foi desenvolvida exclusivamente para esse “coquetel” e hoje está abandonada no fundo obscuro das cristaleiras. E, como acontece com algumas modas que achamos que ”foi pra nunca mais”, o ”démodé” coquetel de camarão volta à luz com novas versões: Gordon Ransay usa lagostins, a nova cozinha espanhola o colocou em gelatinas, e eu, modestamente, sirvo o camarão cozido no vapor sobre um tartar de verduras ao armagnac.
Assim como acontece com o coquetel, tenho degustado tentativas de resgatar o estrogonofe do limbo, mas confesso que é uma missão difícil, quase impossível. E entre tantas receitas, umas satisfatórias, algumas gloriosas e outras catastróficas, que vêm e vão na “estação” da minha vida, lembro sempre de amigos que passaram e marcaram profundamente algumas receitas e ficaram na minha memória como musicas da minha trilha sonora. Aprendi a valorizar o mignon com um certo Paulo Gil, a rir dos meus erros com uma tal arquiteta Eliane, a rir por rir com um divertido Ivan Vasconcelos e até a domar o cordeiro com um deliciosamente rouco D´Acampora.
Aprendi a viver feliz com essas e muitas outras personagens que passaram por esta estação e que se “foram para nunca mais”, mas vivem da minha memória, na minha história e no meu coração...