Em boa companhia
O vinho preferido pode ser um aliado perfeito nesta quarentena
O vinho te permite viajar! Mesmo em tempos de incerteza, em meio a uma pandemia, com bilhões de pessoas em suas casas, impedindo confraternizações, reuniões para uma bela refeição, viagens e a sublime socialização que uma garrafa de vinho frequentemente oferece. Estamos repensando nossas vidas, nos remodelando em todos os sentidos e também como tratamos nosso relacionamento com o vinho.
Por vezes, somos muito exigentes, tratamos o vinho muito intelectualmente. Temos muitas questões e preocupações: com que taça servir, como abrir, quanto tempo decantar, pensamos se o vinho harmoniza com a refeição que será servida, se a safra foi boa. Por vezes, alguns vão até mais longe: pensam em solos, climas e estilos de vinificação, entre outros conceitos mais técnicos.
Muitas vezes, confesso, acho isso demais. Chegamos a perder o sentido de socializar nos trancando em nossas próprias preocupações e exageros; deixamos passar o momento de prazer, o momento da percepção nua e crua de gostos, aromas, sabores e texturas; tudo aquilo que nos leva ao êxtase, que nos faz lembrar daquele gole por muitos anos, não só pela qualidade intrínseca daquele rótulo; às vezes pode ser até um vinho simples, mas que você gosta e que foi bebido na hora certa, quando você mais precisava dele.
Quantas vezes estamos sentados à mesa todos juntos, bebendo um bom vinho que dá prazer, e a conversa fluida e gostosa está longe de passar por termos como “vinhedos”, “maceração”, “envelhecimento em carvalho”, “acidez” e “taninos”. Falamos de vida, viagens e cultura, e o vinho está lá, fazendo parte daquele filme, como um belo ator coadjuvante sem tomar os holofotes, mas absolutamente necessário à trama.
Durante esses dias trancado em casa, por muitas vezes consegui achar conforto numa taça de vinho e, na maioria dessas vezes, ele estava ali como um brilhante coadjuvante, num simples almoço caseiro ou no sofá acompanhando um filme. Mas, às vezes escolho algum rótulo que me leva a viajar, uma garrafa que me remete a uma bela viagem, como um Touriga Nacional que me trouxe memórias da Serra da Estrela ao longe, ou de um Pinot que me deixou com saudades de caminhar em meio às vinhas da Borgonha. O componente emocional que o vinho oferece é ainda mais importante nessas horas.
Tenho certeza de que o mundo está se transformando profundamente nesse período e também estou certo de que a nossa maneira de tratar o vinho também irá mudar. Atualmente, com a facilidade da internet, podemos dividir com o mundo nossas emoções, nos conectar com os enólogos, enófilos e sommeliers em qualquer lugar e nos sentir mais próximos, fazendo o que gostamos, que é socializar ao redor de uma garrafa que encontramos conforto, mesmo de longe. Por isso, hoje vou abrir um vinho que me traz boas lembranças e fazer um brinde desejando que num futuro breve o melhor venha, e que possamos criar novas memórias e compartilhar mais vinhos e histórias próximos uns aos outros.
Sobre o autor
Eduardo Machado Araujo
Certified Sommelier - Court of Master Sommeliers
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