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Culinária ética: 'ser honesto não é qualidade, é obrigação'

Foto: Reprodução

Publicado em 26/06/2020

A ética é uma parte da filosofia que estuda os princípios que motivam, distorcem, disciplinam ou orientam o comportamento humano valendo-se de normas, valores, prescrições e exortações presentes em toda sociedade. Uma linda teoria onde hoje, na prática, ‘ser ético’ é quase sinônimo de ‘ser otário’.

A ética é tão fora de moda que até um conselho de ética só consegue eleger alguém para presidi-lo se este alguém não tiver ética nenhuma, e esta falta total de ética transforma a ética em um conceito politicamente anti-ético.

Não, isso não é um discurso direitista ou esquerdista para analisar o comportamento dos nossos representantes no governo, muito menos da ética impregnada nos governantes, independente de partido, independente de ideologia. É, sim uma constatação do dia-a-dia de um cidadão que foi educado dentro de um padrão moral bem ‘padrão’, onde ser honesto não é nenhuma qualidade, é obrigação.

A ética é única e não aceita distorções! Assim como é única a boa cozinha, variando conforme a região, cultura, poder aquisitivo e talento do cozinheiro, entre outros fatores. Mas para ser boa tem que ter como ingrediente principal: a ética.

Até a qualidade é uma questão ética. Pode ser eticamente correto servir uma comida com menos qualidade, se essa for a proposta. Uma coxinha por um real, com a qualidade que esses cem centavos podem pagar, é absolutamente ético quando o seu produtor assume isso e o cliente está ciente disso.

Porém, servir um vero risoto italiano com arroz cateto e caldo de cubinho, por mais bem feito que seja, não é um vero risoto italiano, não é ético! A ética não varia com o preço! Para se cozinhar com ética, é preciso ter conhecimento e seguir alguns conceitos básicos da cozinha clássica.

Mas, em tempos em que até a gastronomia é moda passageira, surgem tendências relâmpagos onde os adeptos não se prendem a bobagens como ética culinária. Criam menus degustação sem nenhum conceito que mais se assemelham à limpeza de freezer.

Apresentam pratos com as festejadas espumas, que algumas vezes mais parecem a espuma de barbear, tanto em textura quanto em sabor. Folhas gelatinosas tomam lugar de texturas incríveis no apelo de ser moderno e criar novas texturas, não tão incríveis, mas novas!

Alguns pratos chegam à mesa com atraso, não pela demora da cozinha, mas sim pelo trabalho do garçom para equilibrar pretensiosas esculturas modernistas no trajeto até a mesa. Isso para não citar as cores quase sintéticas de alguns elementos do cardápio: existe algum alimento naturalmente azul carbono?

Nada contra as tendências na gastronomia, muito pelo contrário! Criar faz parte da arte culinária... criar algo que não foi criado é o sonho de todo cozinheiro... criar uma técnica que culminará numa tendência é resultado de muito estudo e muita pesquisa...

Mas a ética deve ser a propulsão de qualquer movimento. Certamente, o dia em que a ética fizer parte do nosso dia-a-dia, comeremos, beberemos e viveremos muito melhor! E, mais certamente ainda, se a ética se tornar um costume neste país, na gastronomia, no entretenimento, na administração e em todos os setores importantes, teremos orgulho de sermos brasileiros!