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Quase todos os vinhos que existem trazem um ano estampado no seu rótulo (ou contrarrótulo). Com exceção de alguns Champagnes chamados Non Vintage, que são blends de diferentes anos e alguns poucos vinhos que misturam safras diferentes, o número está ali estampado e designa uma safra, um ano e isso não significa só um fator de controle ou referência.

Esses dias estava degustando um dos vinhos mais cobiçados do mundo, o famoso Pétrus de Pomerol. A expectativa quando vamos provar vinhos assim com essa fama e preço é sempre alta e claro que torcemos para que seja um possível candidato a vinho memorável. Mas, quando olhei a safra, aquele número pequeno no rótulo, minhas expectativas baixaram um pouco, a safra em questão era a 1987 que foi notoriamente difícil. 

Um ano que começou frio e chuvoso atrasando a brotação e com chuva no começo da floração o que fez com que a produtividade caísse muito, porém isso não significa perda de qualidade, o pior ainda estava por vir, com o fim da colheita das uvas brancas que amadurecem mais cedo os céus despencaram a as uvas Cabernet Sauvignon e Merlot, que esperavam praticamente maduras para serem colhidas, foram diluídas em tanta água. O resultado foram vinhos mais leves e delicados, mas sem o nervo e estrutura para aguentar o tempo costumas de guarda para os grandes vinhos, como o Petrus, reconhecido pela sua austeridade e intensidade.

Dei esse exemplo específico porque temos uma boa oferta de safras medianas desses vinhos famosos no mercado e o preço, por mais caros que sejam, parecem atrativos quando comparados com safras excelentes. Alguns vinhos podem dobrar de preço nas chamadas “safras do século” que parecem ser cada vez mais comuns pelas mudanças climáticas em alguns lugares que sofriam mais com chuva e frio.

Todo ano estampado no rótulo traz uma fotografia do que aconteceu durante o período de maturação e produção desse vinho, lembrando que vinho é um produto agrícola e as frutas dependem totalmente dos fatores climáticos como horas sol, temperatura, umidade e até mesmo ventos. Saber essas informações, que são fáceis de encontrar na internet, é importante para não comprar gato por lebre e até mesmo para entender se uma região em determinado ano irá produzir vinhos mais próximos ao estilo que pessoalmente gosto.

Um bom exemplo é a Borgonha, meu local preferido e que é muito sensível às mudanças climáticas após a safra. Tenho experiências com o mesmo produtor e o mesmo vinhedo produzirem um vinho que acho espetacular em um ano e no ano seguinte um vinho que não curto muito, pois pode ter sofrido com sobrematuração deixando vinhos mais alcoólicos e frutados.

Essa variação pode parecer complicada para o consumidor, mas para mim é fundamental ela existir, já que o vinho é um produto natural que reflete o estado da uva naquela colheita. Somente produtores que trabalham com muita intervenção através de insumos enológicos além da uva conseguem fazer vinhos iguais ano após ano, e sinceramente acho que esses vinhos têm muita maquiagem e pouca originalidade e tipicidade de terroir.

Ah, infelizmente o Petrus degustado estava longe de ser memorável e refletiu perfeitamente essa safra difícil e magra. Acontece!

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