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A minha ‘animada’ confort food

Anton Ego, o crítico gastronômico do filme Ratatouille (Foto: Divulgação)

Publicado em 01/12/2017

Despertar sensações agradáveis através de sabores que nos remetam a momentos de grande ternura e alegria. Aromas e sabores carregados de lembranças. Em tempos de fast food, alimentos funcionais, fusion food e tantas outras tendências modernistas que substituem a cozinha pelo laboratório, surge a confort food, que como diz o nome, nos conforta o nos acaricia.

Numa das cenas decisivas do desenho Ratatouille, um filme cult da Pixar, o crítico gastronômico impressiona-se com a apresentação da versão de prato clássico criada pelo minichef Remy, um rato com um talento especial para cozinha: um ratatouille, que nada mais é que um cozido de legumes!

Ao prová-lo, o rígido crítico viaja até a sua infância com um sabor guardado em um lugar protegido e especial da sua memória. Esse sentimento é a confort food!

O brigadeiro apreciado às colheradas, o aroma de cebola refogando na manteiga, o crocante do camarão tostado com alho no azeite, o calor da canja de galinha, o cheiro de feijão no ar quando chegávamos da escola... tudo são lembranças de comidas que mais parecem um afago na alma.

Praticar a confort food é trazer para a gastronomia as características da autentica comida da vovó que ficou perdida num tempo em que as refeições eram o melhor momento da família, o momento de encontro, de respeito e agradecimento por aquele prato e por aquela família.

A confort food alardeada como a grande tendência da cozinha contemporânea se apresenta como uma reinterpretação da comida caipira e de raiz, e tem como objetivo agradar tanto o paladar quanto a emoção: estômago e coração em uma só receita, em uma só mesa.

Como cozinheiro, procuro resgatar esses sabores que não vêm somente da minha estória, mas principalmente da história em si. Cozinhas riquíssimas perdidas numa sucessão de tendências que culminaram numa ´confusion food` com uma personalidade indefinida.

O camarão frito na banha de porco servido com batatas na época dos colonizadores, ganha um ar moderno quando este mesmo camarão é envolto em uma finíssima fatia de bacon e tostado numa chapa de ferro servido sobre um purê de batata baroa: confort food!

O bolinho de arroz com muito cheiro verde da vovó inspira um risoto de ervas frescas e requeijão com crocantes galettes de arroz e cebola: confort food!

O cremoso pudim de leite com caramelo de laranja presente em todos os almoços especiais da minha infância se transforma em um creme brulèe cítrico com a indefectível crosta de caramelo crocante: confort food.

Dentro do meu conceito de cozinha e de vida, a confort food é muito pessoal, quase um DNA que nós cozinheiros podemos, e devemos resgatar para o deleite dos nossos amigos e clientes mais exclusivos.

Mas, para praticar bem essa tendência, que na verdade é a valorização da memória gastronômica, é preciso ter boas memórias, boas lembranças, e a consciência que boa gastronomia é aquela que te faz levitar, aquela comida que é feita com o coração para trazer alegria a quem aprecia, e não a feita com a arrogância que assola as cozinhas estreladas e premiadas. Uma gastronomia que só acaricia o ego de quem a faz e os bolsos de quem as inventa - esta provavelmente entrará para a história como a “confusion food”, uma página vergonhosa da nossa evolução gastronômica.

E para encerrar, tomo para mim o pensamento do fictício crítico Anton Ego, a respeito do Remy,o ratinho cozinheiro de Ratattouile, o mini-chef,  para encerrar essa divagação de comidas confortáveis: “Boa culinária não é para os fracos de coração. É para as mentes criativas! Corações fortes! As coisas podem até dar errado, mas não deve deixar ninguém definir seus limites a partir de sua origem. O único limite é sua alma.”