A evolução do vinho nacional
Comecei a degustar o vinho brasileiro, seriamente, há oito anos, e confesso que sempre gostei. Mesmo com tantos experts me dizendo que o nosso vinho não tinha qualidade, simplesmente gostava do paladar, mais leve e com uma acidez mais pronunciada que o dos nossos vizinhos. Depois, estudando, percebi que os experts não tinham nada além de preconceito, pois consegui degustar vinhos fantásticos de produtores das mais variadas regiões do Brasil, das maiores às menores vinícolas. Percebi também um estilo sendo frequente, aquele mesmo estilo que me fez gostar dos nossos vinhos lá no começo, que vão bem com comida, que possuem taninos pronunciados, mas com uma bela acidez e menos alcoólicos. Faltava descobrir como esses vinhos evoluíam, o que o tempo em garrafa faria com eles.
A grande safra que tivemos na década passada foi 2005, e muitos dizem que foi a nossa grande safra da história, aliando a qualidade da fruta com o know-how das vinícolas. Então, quando pensava em degustar um grande vinho nacional – prática adotada até hoje –, sempre buscava vinhos desse ano, pois, agora já evoluídos, poderiam surpreender com suas notas de evolução de mais de sete anos em garrafa.
Tive a chance de participar, em Florianópolis, há poucos dias, de uma degustação vertical (diversas safras diferentes de um mesmo vinho) daquele que talvez tenha sido o primeiro grande vinho brasileiro, o Miolo Lote 43. Era até pouco tempo o grande vinho da Miolo, mas continua sendo o ícone, pois as uvas são provenientes de um único vinhedo, exatamente no lote de terras adquirido pelo patriarca da família Miolo, Giuseppe, ao chegar no Brasil em 1897.
Ele é um vinho especial, produzido apenas em safras excelentes e com rendimento muito baixo. A sua criação foi um tanto por acaso, mas logo depois se percebeu o potencial e, com as mudanças no manejo do vinhedo e da vinificação por meio de estudos e de todo conhecimento adquirido, a evolução é clara e constante.
Foram degustadas todas as safras que foram lançadas até agora (1999, 2002, 2004, 2005, 2008 e 2011) e já se noticiou que a safra 2012 deu excelentes frutos e o vinho está em processo amadurecimento, enquanto que a safra 2013 não saiu, pois as condições não permitiram acompanhar a qualidade que o Lote 43 exige.
O que mais impressionou foi a vivacidade do 1999, um vinho produzido de maneira mais simples, com uvas plantadas ainda na maneira antiga chamada latada – ao meu ver foi o preferido das mulheres na degustação. O 2002 recebeu algumas uvas de vinhedos já convertidos pra espaldeira e, em minha opinião, era o mais discreto.
Entre os vinhos foi claro perceber a mudança de estilo e a qualidade de extração de tudo de bom que a uva pode passar, além do ponto de maturação da fruta, que aumentou muito com esse sistema de condução de vinhedos – o 1999, por exemplo, tinha 12,5% de álcool e hoje tem em torno de 14%. O 2004 parecia um bom Bordeaux já com seus anos de garrafas e um bouquet com aromas evoluídos. A safra 2005 mostrou todo seu potencial e fez jus a sua fama, intenso, carnudo, muito frutado e equilibrado, ainda com potencial de mais um tempo em garrafa.
E, finalizando, as duas últimas safras continuaram nesse estilo moderno, com uvas bem maduras e aromas intensos. Sendo que o 2011 ainda extremamente jovem e com uma predominância da Merlot (60%), me lembrou um moderno St. Emilion, região clássica da margem direita de Bordeaux.
Mais uma vez comprovei que nossos vinhos podem fazer bonito em qualquer mesa ou degustação e que, além disso, envelhecem muito bem, amaciando os taninos e evoluindo seus aromas.
Sommelier da Miolo Wine Group e Santa Adega Vinhos Finos
E-mail: eduardo̻@santaadega.com.br
Sobre o autor
Eduardo Machado Araujo
Certified Sommelier - Court of Master Sommeliers
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