A arte do simples, por André Vasconcelos
Esta semana me peguei revendo um videoclipe musical de 2011 que me fez repensar sobre a necessidade que temos de enfeitar demais tudo, e o quanto o elegante pode ser simples. O eterno “menos é mais”.
Tudo muito simples: uma letra romântica, uma mulher absolutamente normal, um homem com padrões normais de beleza negra, melodia com três ou quatro acordes e, como cenário, nada.
Ele não é um Baryshnikov e ela está longe de ser Alicia Alonso.
Os passos da coreografia chegam a ser ridículos de tão básicos.
O resultado: um dos mais belos clipes de música popular brasileira.
Tudo bem que ela é Marisa Monte, uma voz que ilumina a MPB atual recheada de gargantas irritantemente sibilantes!
E ele, Anderson Silva, um veterano lutador que prova que para saber lutar é preciso saber dançar, ser leve e ter coragem.
Força e delicadeza, peso e leveza.
A direção é uma obra de arte de Dora Jobim & Mauro Pinheiro.
Mas como uma imagem vale mais que mil palavras, aqui está o videoclipe!
É simplesmente impressionante como o simples - na musica, na cozinha ou na vida - é tão belo.
E, talvez, por essa simples beleza espontânea, o simples incomoda, daí então o complexo impera até no simples ato de se alimentar: tempo de mudança!
Tempo em que o alimento parece ter sido lançado a um segundo plano, deixando de ter a simples função de sustentar, acarinhar e dar prazer.
Tempo de cardápios desenhados por tendências, por produtos inovadores, aparelhos escabrosos, nomes esquisitos e técnicas mirabolantes.
A simples "salada de alface" virou uma referência quase que pré-histórica, diante da complexa "salada de folhas precoces ao ar de limão iodado", seja isso o que for!
Hoje, ao que parece, simplesmente não comemos mais: degustamos obras de arte, nada simples, criadas por chefs laureados por estrelas, prêmios de revistas e listas infindáveis de “the bests”.
Diante de alguns cardápios, mesmo eu, curioso e estudioso da área que sou, fico com ar de interrogação ante definições estranhas e absurdamente incrédulo diante de pratos servidos como esculturas, que nem de longe parecem comida.
Atônito surge uma pergunta: onde está o manual de degustação?
Onde se perdeu o simples ovo poche e torradas de pão com manteiga?
Será que foi transformado em algo como quenelle de ovo escalfado em court boiullon ao champagne ladeado de escalopes de baguete com brilho de manteiga?
Dependendo da definição, o sabor muda, e, quanto mais complexa a definição, menor parece o sabor!
Ao que parece, vivemos hoje nas mãos gastronômicas dos “herdeiros” de Ferran Adriá, que levou a ciência e a tecnologia para a cozinha, transformando-a quase em um laboratório.
Não que essa cozinha - criada e defendida por Hervé This, e batizada de molecular pela imprensa dita especializada - seja a culpada das "invencionices" que povoam cardápios mundo afora. Afinal, maus copiadores existem e existirão sempre!
A culpa provavelmente é de um marketing brilhante a serviço da falta de talento, capaz de transformar um “nada” em um ícone!
Mas essa cozinha, a molecular, tem seu valor e será marcante quando falarmos de cozinha a partir do inicio do século 21.
Segundo o diretor da companhia inglesa “The Food People”, mesmo perdendo a força, a cozinha molecular não irá desaparecer, vai virar história.
Apesar de ser considerada moderna, a cozinha molecular foi responsável pelo resgate de técnicas perdidas, agora lapidadas por elementos químicos assumidamente, porque cozinhar é um processo físico-químico desde sempre, por mais que os puristas não aceitem.
E, molecular ou não, ela é simples: qual é o segredo de se colocar uma colher de purê de manga em um balde de nitrogênio líquido e criar uma trufa gelada de manga?
O processo é simples; complicado é ter nitrogênio líquido na dispensa!
Talvez esse seja o grande lugar comum da cozinha molecular: é simples, mas não é simplória, não é para o dia-a-dia. É, sim, uma cozinha de festa, como o arroz de forno dos anos 1960, o coquetel de camarão dos anos 1970, o bolo embrulhado dos anos 1980 e o salmão ao maracujá dos anos 1990.
Todas simples, mas todas de festa!
E, como toda cozinha de festa, essa é uma cozinha de moda, que marca uma época!
Mas o que virá depois disso?
Para muitos, pouca coisa!
Talvez alguns resgates com paginação nova, aparelhos modernos facilitando executar técnicas antigas, produtos industrializados de elementos básicos...
Mas, isso tudo já existe: sous vide, thermomix, forno combinado, cubinhos de caldo, aji-no-moto, ...
Resta então o resgate do simples: horta caseira, produtos orgânicos, alimentos nutracêuticos, cozinhar com prazer, almoço de família, cantar no jardim, dançar com um amigo... mesmo que em um clipe em preto e branco, mesmo com uma musica aparentemente brega, mesmo sem saber dançar!
Isso nunca será uma tendência, é estilo de vida, é qualidade de vida!
E, para tanto, basta ser simples, basta não viver à procura do prato perfeito, basta não se dedicar à procura do amor perfeito, à procura da pessoa perfeita, à procura da técnica perfeita, à procura de tendências perfeitas!
Basta ser simples e não ter que ser perfeito!
Acreditar na concepção de um cardápio, amador ou profissionalmente, sabendo que este pode não ser perfeito, talvez por ser simples demais, mas que reflita o prazer de cozinhar no sorriso de quem aprecia essa cozinha, esse simples prato não perfeito!
Simples como ovo frito, arroz e feijão ou caviar russo.
Ser perfeito, na maioria das vezes, é simples: basta ser simples!
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Sobre o autor
André Vasconcelos
Cozinheiro raiz e autodidata, hoje no comando de sua Cozinha Singular Eventos e d'O Vilarejo Hospedaria e Gastronomia, onde insumos e técnicas são a base de cardápios originais e exclusivos... e aprendiz de escritor também!
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