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“Se fosse fácil, não teria graça”

(Foto: Divulgação)

Publicado em 31/08/2017

Quantas repetidas vezes escutamos essa máxima popular que uso como título desta coluna? E nos dias de hoje, todo o conhecimento parece ser muito fácil, afinal, vivemos na era da informação. Com um clique no celular estamos dentro das maiores faculdades e centros de pesquisa do mundo. Em segundos, temos à mão textos e estudos dos mais conceituados pesquisadores e escritores distribuídos em livros digitais e em prateleiras virtuais das mais aclamadas bibliotecas, e com todos os assuntos que o homem estudou e pretende estudar.

Tudo fácil, tudo muito fácil. Mas junto com todas essas informações vêm a falta de informação, falta de informação de quem pesquisa... tudo muito sem graça, tudo muito sem conteúdo, tudo, ou quase tudo, sem o menor embasamento. Podemos pesquisar até sobre o Teorema de Bayes, mas como entendê-lo se não temos a menor ideia de quem foi Bayes ou o que ele fazia? E em rápida pesquisa ‘clicada’, o pesquisador internauta se julga doutor na área.

Não vou explicar aqui, mas pesquisando você vai encontrar formas corretas e erradas desse Teorema de Bayes, que envolve estatística e probabilidade, aliás, bacharel em estatística é a minha formação. Toda informação está muito fácil, muito próxima, na ponta dos dedos, na palma da mão!

Como estão na palma da mão receitas clássicas, desde o caipira bolo de fubá, até o elegante Opéra Gâteau! Do bolo de fubá não tenho muito a dissertar, pois toda família tem a sua receita ... Já o Opéra Gâteau  vale uma pequena explanação: é uma obra-prima da pâtisserie francesa, em que finíssimas camadas de massa de amêndoas são intercaladas com ganaches e cremes, chegando a um sabor que nos leva ao paraíso e, quando bem executada, merece ser emoldurada e exposta nos mais elegantes salões mundo afora.

Na era da informação desinformada, a gastronomia também passou do ponto, ou, muitas vezes, nem chegou a ele. Vamos nos ater a uma simples receita de bolo de fubá. Dê um clique e sites e mais sites surgirão com receitas avaliadas e comentadas por ‘experts’, e toda sorte de abelhudos, que batizam as adaptações desse clássico caipira como o “melhor bolo de fubá”, o “tradicional bolo de fubá” e até o “bolo de fubá original da vovó”! Ao ler a receita, começa a desilusão dos que têm alguma noção de cozinha - da boa cozinha!

Receitas recomendam fubá pré-cozido, outras ‘naturebas’ indicam a manteiga ghee na massa, os mais gourmetizados sugerem aromatizar com baunilha de Madagascar e ainda há os que colocam queijo ralado, aquele parmesão com aroma de chulé, entre os ingredientes!  Alguns podem achar este pretensioso cronista um tanto purista, mal-humorado ou saudosista, mas se enganam: sou radical. Mesmo no que tange pratos clássicos, caipiras ou não, e ninguém vai colocar leite condensado caramelizado ou flocos crocantes na receita do bolo de fubá original da vovó, ninguém tem direito a mexer na receita original de ninguém, muito menos da vovó!

É necessário muito respeito e ter o mínimo de bom senso para publicar ou pesquisar receitas na internet. Particularmente, como radical que sou, a biblioteca ainda é o melhor caminho, e uma biblioteca com bons títulos, de editoras confiáveis e que não deem crédito às aves de pelúcia que habitam algumas emissoras de TV. Tenho minha própria biblioteca e uma rede de amigos que têm bibliotecas complementares à minha, isso para mim é a verdadeira rede social, todos se sociabilizam através dos livros para um melhor conhecimento.

Analisando friamente, a internet é uma grande biblioteca, porém, sem um auditor para dar-lhe confiabilidade. Cada um diz o que lhe aprouver, portanto, é preciso ter conhecimento para utilizá-la como uma boa ferramenta. Se assim não for, abre-se espaço para ‘profetas’, que surgem com um belo discurso, muitas vezes copiado, e geram tribos fiéis que só, só seguem a moda. Mais ou menos a história do flautista de Hamelin, conto dos irmãos Grimm, em que ratos seguem uma bela música sem contestar e sem saber ao certo o porquê. 

Publica-se qualquer excremento que brote nas cabeças que nada tem de brilhante, e quem não tem o mínimo de conhecimento para selecionar essas informações, toma qualquer asneira como verdade, e de tanto repetir essa asno-mentira, ela passa a ser verdade.  E pobre de quem discordar dela!

As receitas e a boa gastronomia têm que ser respeitadas e passadas através das gerações como parte da história, afinal, a civilização evoluiu ao redor de uma mesa, onde os pratos servidos e suas receitas são o terroir socioeconômico do seu povo. Bom apetite!