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Liberdade para as ervas, por André Vasconcelos

As ervas deram início ao uso dos alimentos nutracêuticos, aqueles que não só alimentam, mas curam (Foto: Internet/ Reprodução) **Clique para ampliar

Publicado em 14/09/2023

Eu cresci acreditando que liberdade era basicamente ser livre para fazer o que quiser, sem que isso atrapalhasse a vida e a liberdade de outra pessoa!

Artigo único: A liberdade de um termina onde começa a do outro.

E, em meio a um grande alvoroço, a “Marcha da Liberdade” ganha manchetes e espaço em redes sociais exaltada por “tribos” moderninhas.

Mas, quando olhamos de perto, a Marcha da Liberdade é a Marcha da Maconha!

Sou do tempo em que “liberdade era uma calça velha azul e desbotada”, e não ter um baseado na mão para se sentir livre.

Qual a relação real entre cannabis e liberdade?

A única liberdade que essa marcha almeja é a de queimar erva em praça pública?

Historicamente, já queimamos coisas muito mais significativas para mudar o mundo... até ervas em forma de incenso.

Baseado neste conceito de liberdade - queimar para exaltar a liberdade -, já queimaram sutiãs na década de 1960, no Atlantic City Convention Hall, queimaram livros na Biblioteca de Alexandria, queimaram bruxas na Idade Média, queimaram Roma ao som de uma lira, e continuam queimando coisas inimagináveis em busca de liberdade... ou prazer!

Os amantes da erva podem procurar sua viagem e seu prazer em outras ervas, não só queimando, mas aromatizando e saborizando!

Apesar de nunca ter fumado um baseado de sálvia ou de alecrim, já viajei muito com o efeito dessas ervas de Provance, da Amazônia e da minha horta.

Historicamente, a cannabis é mais antiga que as ervas conhecidas como aromáticas: era alimento na China do século VII a.C. e está presente em quase todas as culturas durante todo sua evolução, como remédio, alimento ou, simplesmente, para um momento "maluco-beleza".

As que conhecemos como tempero também chegaram ao nosso dia-a-dia como remédio e, desde os tempos mais remotos, elas estavam presentes na vida do homem em forma de chás, essências, macerações, garrafadas, ungüentos e tantas outras receitas curativas. Aos poucos foram inseridas nas receitas culinárias, ora para maquiar a falta do sal em algumas regiões, ora encobrindo o gosto forte, ou podre, de algumas carnes de caça e peixes.

As ervas deram início ao uso dos alimentos nutracêuticos, aqueles que não só alimentam, mas curam, como afirmou Hipócrates, pai de medicina, no século V a.C.: “Que seja o alimento o teu remédio e que teu remédio seja teu alimento”.

E como colocar minha horta de ervas nesse texto com algumas poucas linhas?

Resolvi me ater à região de Provance, pois, assim como o oriente é o celeiro das especiarias, as colinas do sul da França são pródigas em ervas aromáticas.

De lá vem o manjericão, tomilho, alecrim, salsa, orégano, segurelha, estragão, menta, manjerona e tantas outras laureadas pelo louro.

Sozinhas ou combinadas, elas transformam o sabor dos alimentos, despertam os sentidos e estimulam a salivação á ponto de colaborar com o processo de digestão.

Com elas criamos poções mágicas com uma infinidade de possibilidades culinárias e combinadas, são como as massalas indianas, onde cada cozinheiro desenvolve sua fórmula.

Vamos macerar ervas toxico-gastronômicas legalmente permitidas: liberdade aos aromas, sabores, sensações e tudo de bom que podemos extrair destas ervas.

Como não se “intoxicar” de tomilho que dá um toque especial a ensopados e previne o desenvolvimento de fungos em carnes bovinas e embutidos? É glorioso temperando uma sopa de ostras com vinho branco.

Talvez a mais requintada das ervas, o estragão acrescenta sabor a cabritos e cordeiros, alem de compor receitas de molhos clássicos como o béarnaise e o tártaro.

A manjerona, que era símbolo de felicidade para os antigos gregos, é também estimulante de apetite, muito usado em quase todos os pratos e até mesmo em preparo de sorvetes.

A menta é o condimento mais celebrado pela culinária árabe e foi incorporado a ela provavelmente durante a ocupação do grande Império Árabe no século VII.

Do tabule ao quebab, a hortelã, ou menta, é usada fresca e seca nos mais variados pratos.

Uma das mais aromáticas das ervas, o manjericão faz parceria perfeita com o tomate tanto cru quanto cozido, em ragouts e molhos, e, ao ser processado com azeite, pinholes e alho, faz um dos mais festejados molhos da gastronomia: o pesto genovês.

Pouco conhecida pela maioria, a segurelha estimula a digestão e o metabolismo, além de harmonizar com alimentos pesados como queijos, patês, carne de porco e feijões, valoriza, e muito, o sabor de vegetais crus e cozidos no vapor.

O alecrim é marca registrada da cozinha mediterrânea, assim como a salsa e a cebolinha são as ervas mais presentes na cozinha popular brasileira.

O primeiro tem sabor picante e fica perfeito com carnes de caça, mas brilha com o azeite quando tempera meras batatas cozidas ou assadas.

Já da combinação dos outros dois vem o nosso cheiro verde que tempera desde sopas, feijões e caldos, até a manteiga para finalizar pescados ou simples omeletes.

E o que dizer da nossa pizza de todo dia sem o orégano?

Muito usado seco, um simples ramo fresco faz do vinagre branco um nobre tempero.

Por fim, o laureado louro, de sabor e aroma pronunciado enriquece marinadas e ensopados, alem de conferir sabor marcante ao feijão.

Com o intuito de popularizar suas ervas e levá-las a outras cozinhas do mundo, nos idos de 1970, os franceses da Provance desidrataram e combinaram algumas ervas e as batizaram de ervas de Provance, que tradicionalmente incluí manjericão, louro, manjerona, alecrim, segurelha e tomilho, com um toque de raspas de casca de laranja, folhas e sementes de lavanda.

Como resultado temos um sabor relativamente adocicado, picante e mentolado que se tornou sinônimo de cozinha rústica francesa e faz parte do inconsciente culinário mundial.

Talvez Bob Marley, ou Dylan, ou Fosse, ou Sinclair e tantos outros Bobs, e Jimmys, e Marcelos, e Fernandos e Rauls mundo afora, continuem queimando tudo, e chamando de liberdade o consumo de uma só erva!

Mas nenhuma viagem será tão inebriante quando a “larica” dos sabores e aromas das ervas frescas ou secas, que dão personalidade às mais variadas comidas típicas ou contemporâneas que fazem, ou farão, parte da nossa história!

Salve as ervas!

 

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Sobre o autor

André Vasconcelos

Cozinheiro raiz e autodidata, hoje no comando de sua Cozinha Singular Eventos e d'O Vilarejo Hospedaria e Gastronomia, onde insumos e técnicas são a base de cardápios originais e exclusivos... e aprendiz de escritor também!


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