00:00
21° | Nublado

Arquivo vivo
Uvas portuguesas são catalogadas em um trabalho minucioso que une tradição e tecnologia

Foto: Reprodução

Publicado em 14/05/2019

Sem sombra de dúvidas um dos maiores patrimônios de Portugal é sua imensa variedade de uvas autóctones, ou seja, que nasceram e praticamente são cultivadas somente por lá. São cerca de 250 variedades confirmadas e algumas outras à espera de um mapeamento genético. Dentro desse patrimônio existe um ainda maior que são os vinhedos de “vinhas velhas”, plantados de uma maneira típica em que as castas são misturadas num mesmo vinhedo. São vinhedos com décadas e até mesmo com mais de 100 anos de história e que carregam todo um arquivo vivo da tradição portuguesa. 

Antigamente era comum plantar vinhedos em lotes como esse, pois os pequenos produtores poderiam ter uma segurança maior sobre os problemas climáticos e da vinha, sem perder toda a produção, por exemplo, para uma geada que afeta algumas e não outras variedades daquele vinhedo. Hoje, os vinhos produzidos das melhores vinhas velhas, principalmente nas regiões do Douro, Bairrada, Dão e Colares, dão vida a alguns dos melhores e mais longevos vinhos portugueses. 

Um dos exemplos mais clássicos são as vinhas velhas da Quinta do Crasto, notoriamente a Vinha Maria Teresa, que produz um vinho homônimo incrível com as uvas desse vinhedo. Essa vinha plantada em socalcos logo abaixo da belíssima vinícola no Douro, após a Filoxera que atingiu a região no fim do século XIX, hoje tem 110 anos. Sempre souberam da variedade genética dentro dessa vinha, mas nunca haviam feito um trabalho de pesquisa a fundo para mapear as castas que ali estão. Há cerca de 10 anos a equipe do enólogo Manuel Lobo se perguntou “O que faremos para substituir as videiras que estão morrendo? ”

Essa pergunta gerou um extenso projeto de pesquisa para poder preservar a origem genética dessa vinha fantástica. São 4 hectares e mais de 20 mil plantas, e a intenção era preservar cada uma, porém, muitas delas não se tinha ideia do que seriam. Nesse momento a tradição encontrou a tecnologia, e uma equipe de especialistas foi contratada para identificar individualmente cada uma dessas plantas, ao mesmo tempo, para ter certeza absoluta, um banco genético com mais de 8 mil variedades catalogadas foi contratado para identificar o genótipo de cada uma delas. Como foi percebida uma inconsistência, até pela dificuldade de se individualizar cada parte e cada folha, foi criado um software especial para esse trabalho que contava ainda com a ajuda de um sistema de GPS de alta precisão para cada pé. 

Após uma década do início dessa pesquisa, cerca de 95% do vinhedo foi mapeado. Até agora foram identificadas 49 variedades de uvas, entre brancas e tintas. Muitas mutações e uma variedade que até agora não havia sido identificada em qualquer outro lugar. E logo abaixo dessa vinha foram construídas algumas fileiras para plantar cada uma dessas variedades como recurso para utilizar na necessidade de substituir alguma videira. Sendo assim, com o GPS e o mapa exato de todo o vinhedo, sabemos exatamente qual é a variedade correspondente à videia que morreu e ela será substituída pelo mesmo material genético, mantendo assim a identidade intacta dessa vinha centenária e preservando as variedades mais antigas de Portugal que, talvez, fossem substituídas por castas mais populares atualmente.

Esse é um trabalho incrível que é visto por todo o país e que cada vez mais é seguido por diversos produtores, valorizando o que é local, as tradições e toda essa soma de fatores que compões o terroir português e o faz ser tão diferente de todo o resto do mundo. Vinhos de alta qualidade e um senso de lugar incrível!


Sobre o autor

Eduardo Machado Araujo

Certified Sommelier - Court of Master Sommeliers


Ver outros artigos escritos?