Aquecimento global
A influência da alta temperatura local na produção de vinhos mundo afora
Muita gente ainda reluta em acreditar no fenômeno do aquecimento global, seja ele causado pelo homem ou não. Ainda existem pessoas que acreditam que a terra não é redonda. Mas, independentemente de qualquer crença, é impossível negar que temos cada vez mais anos com temperaturas altas e batendo recordes históricos, causando secas, perdas enormes para a agropecuária, tempestades e incêndios gigantescos.
Se formos criar paralelos com os terroirs produtores de vinho, o aquecimento global, na maioria das vezes, é um cenário catastrófico. Regiões clássicas, como Champagne e Borgonha, por exemplo, podem perder seu encanto. Regiões que já são secas, como Mendoza (Argentina), Califórnia (Estados Unidos) e alguns cantos da Austrália podem desaparecer. Mas, regiões úmidas e muito frias para a produção de vinhos, como algumas áreas do Brasil e da Inglaterra, podem se beneficiar tendo safras mais secas e melhores ou viabilizando a produção de vinhos de qualidade.
Isso já acontece no sul da terra da Rainha, onde alguns produtores de Champagne têm buscado terras apostando no futuro e produtores locais já produzem alguns espumantes incríveis. As zonas mais altas da Borgonha estão ficando cada vez mais procuradas para diminuir o efeito do calor e manter o frescor. A acidez natural que é típica do local, e as casas de Champagne, estão fazendo cada vez mais vinhos tranquilos com um pouco mais de corpo e acidez controlada. Recentemente, uma das mais reconhecidas casas, a Louis Roederer, indicou o lançamento de vinhos sem as típicas borbulhas.
No Japão, por exemplo, a experiência de produção em locais com muito calor e umidade - uma combinação horrível - fez os produtores locais desenvolverem métodos de prevenção e diminuição desses efeitos, como proteção individual de cachos e a criação de uvas híbridas, como a Koshu, especialmente para resistir aos fungos de um clima desse padrão.
Esse ano, visitando a Borgonha (França), novamente me deparei com uma das safras mais quentes e secas dos últimos anos. Alguns compararam com a safra de 2003, que foi o resultado de uma onda de calor pela Europa que gerou um estado de emergência. Na Borgonha, é prática comum a chaptalização, ou seja, a adição de açúcar no mosto durante a fermentação, para aumentar a graduação alcóolica dos vinhos e prolongar a maceração, extraindo mais cor e estrutura das leves variedades locais. É comum realizar a colheita de uvas com 11%-11,5% de álcool potencial, e a acidez que se obtém é fantástica para as características que buscamos nos bons borgonhas, inclusive para o envelhecimento.
Nessa safra tivemos uvas colhidas excepcionalmente com cerca de 16% de álcool potencial, muitas acima dos 14% e, fugindo a regra, ao invés de chaptalizar, alguns produtores tiveram que acidificar seus mostos. Encontrar o equilíbrio foi mais difícil e exigiu muita experiência e as melhores posições de vinhedos.
No Brasil, 2018 foi também atípico e histórico. Numa região em que lutamos contra o excesso de chuvas, a seca e o calor são fundamentais para algumas das variedades mais tardias que produzimos. Vinhos com altíssima pigmentação, maturação de açúcar e ainda equilibrados geraram uma das melhores safras da nossa história.
Sabemos que essas mudanças irão pouco a pouco reescrever os livros e mudar as características trazidas como clássicas de algumas regiões. Mas, também, irão gerar novas regiões que até então eram muito frias ou úmidas para a produção de bons vinhos. Com certeza as especulações serão enormes: o sul da Inglaterra é a "nova Champagne"? E onde será a "nova Borgonha"?
Sobre o autor
Eduardo Machado Araujo
Certified Sommelier - Court of Master Sommeliers
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