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A rainha do meu reino

Foto: Reprodução

Publicado em 02/06/2016

De sabor forte e picante, a pimenta-do-reino é um marco na história da alimentação e do mundo. Mercadores muçulmanos a traziam ao ocidente, onde genoveses e venezianos faziam a distribuição em todo o Velho Mundo, isso lá nos idos do século XII quando foi apelidada de ‘ouro negro’, tamanho o seu valor.

Nessa época, facilitar o acesso a esse tempero era primordial devido a seu uso como conservante de carnes na forma de embutidos. É quase inacreditável que um punhado de pimentas seja a responsável por tantas mortes e tantas descobertas. Na verdade, a busca por essa especiaria foi uma das principais causas da expansão e do apogeu do Império Português no Oriente.

Foi também a causa da descoberta do Brasil, pois, como sabemos, o fidalgo Cabral, que comandava uma frota a mando de D. Manuel I para refazer o caminho que Vasco da Gama tinha descoberto um ano antes, se perdeu e, ao se perder, nos achou! Somos filhos-da-pimenta, um erro de rota, um acaso picante.

Esta trepadeira originária da região indo-malaia foi introduzida no nordeste brasileiro por jesuítas vindos de Timor e Macau ainda no período colonial, mas devido às características climáticas, hoje o Pará é responsável por 95% da produção, e o Brasil, que já foi líder na década passada, ocupa o quarto lugar entre os maiores produtores.

Quando falamos em pimenta-do-reino verde, preta ou branca, estamos falando da mesma planta e do mesmo fruto, só que em três estágios diferentes de maturação e processos específicos de beneficiamento. As pimentas verdes provêm das espigas ainda não maduras que, debulhadas, passam por várias soluções e drenagens antes de conservadas em salmoura.

A preta é colhida ao atingir dois terços de sua maturidade, com coloração que vai do verde claro ao amarelado, é seca ao sol de quatro a seis dias revolvidas constantemente para garantir secagem e coloração escura uniforme. Quando maduras, com os frutos em tons que vão do amarelo ao vermelho, as espigas estão prontas para serem beneficiadas em tanques, onde são maceradas e lavadas muitas vezes em solução com calcário para obtermos a pimenta-do-reino branca, preferencialmente secas ao sol para valorizar seu sabor e perfume.

Existe ainda uma quarta variante deste mesmo fruto: a pimenta-vermelha, onde as espigas muito maduras, quase púrpuras, são processadas como a verde, isto é, uma conserva quase fresca com um sabor rico e impressionante. Mas atenção para não confundir com a pimenta-rosa que é outro fruto de outra arvore: a aroeira.

A pimenta-do-reino não só enriquece a gastronomia com sua fragrância intensa e frutada, mas também é usada como defensivo agrícola natural e, na medicina, seu principal agente - a piperina -, alcaloide encontrado em sua casca escura, vem sendo largamente estudado e vários mitos estão caindo por terra, onde o fruto passa de bandido a herói.

Esse agente provoca a liberação de endorfinas, pois quando se ingere a pimenta, são ativados receptores sensíveis na língua, informando o cérebro, com uma mensagem primitiva e genérica, que a boca estaria pegando fogo e, como resposta a esse incêndio, vem a salivação e a transpiração no intuito de refrescar esse fogo, atuando como um termogênico natural.

Ativa também a fabricação de endorfinas, nos dando uma sensação de bem-estar e de euforia: um ‘banho de morfina’, uma verdadeira fonte de prazer. Trocando em miúdos, a pimenta-do-reino e suas primas pimentas são o ‘grande barato’ de qualquer receita, uma droga legal, saudável e de consumo liberado.