A cozinha de mãe, por André Vasconcelos
Uma homenagem aos aromas e sabores da cozinha materna
Em tempos em que um perfil na rede social define quem é quem “na fila do pão”, fica difícil reconhecer uma cozinha de verdade, cozinha de mãe!
Não vivi em tempos de restaurantes que ofereciam experiências gastronômicas onde, muitas vezes, a apresentação do prato e a técnica usada valem mais que o sabor!
Ir a um restaurante era um momento especial, era um momento de comer bem!
Vez por outra em um aniversário, momento para festejar com direito a pudim na sobremesa.
Ou talvez um convite do chefe do seu pai para oficializar uma promoção, mas, invariavelmente, ao menos na minha infância, restaurante era um momento raro e especial, e sempre com família!
E que honra na infância ser convidado para ir a um restaurante com a família de um amigo!
Era motivo de orgulho e de preocupação da mãe, imaginando como o seu pequeno anjo, ou demônio, iria se comportar!
Mães sempre presentes para nos orientar, mas nunca tinham certeza o que realmente nós tínhamos absorvido da sua dedicada educação!
E Dia das Mães era data certa no restaurante, afinal, era dia de folga da rainha do lar!
E que rainha!
Rainha sem coroa, com joias da coroa penhoradas na Caixa, e com súditos que só faziam desobedecê-la, além de um rei que muitas vezes a tratava como criada!
E outra: não se tem notícia de nenhum vassalo que trabalhasse mais que essa rainha!
Rainha que lava e passa, rainha que cuida dos filhos, rainha que organiza tudo, mas acima de tudo, rainha que cozinha...
E voltamos ao restaurante: por melhor que ele fosse, hoje com as memórias de um sexagenário, nenhum cardápio era melhor do que o da rainha-mãe... Diferente e festivo, mas não melhor!
Todas as referências que tenho, e acho que uma boa parte dos que leem esse desabafo, tem na cozinha de mãe, referência de afago e de gastronomia!
Dizem que quando uma criança nasce, nasce uma mãe!
Nasce também uma cozinheira, que por menos que cozinhe, ela será sua chef executiva durante bons anos da sua vida!
Nosso primeiro restaurante foi o seio da nossa mãe!
Um self-service maravilhoso, praticamente um ifood particular com um entregador que, além de comida, te dava carinho e te colocava para dormir depois!
Em pouco tempo, a papinha entrava no cardápio e trazia a autonomia de uma colher própria, que poderia ser usada para levar o seu menu degustação à boca, mesmo não tendo noção do que era boca.
Um prato cheio de cores e pedaços cozidos de algo não focado no sabor, mas na saúde, e que tinha como destino principal não a boca de poucos dentes, mas sim o babador, o chão e o cadeirão de madeira com mesa acoplada e sem garçom.
Com a chegada de novos dentes, o feijão amassado com o bife cortado amiúde era apreciado com um garfo começava a nos dar autonomia nutricional!
Com o passar do tempo, passamos a reconhecer cardápios especiais em datas especiais!
A cozinheira deixava de ser somente a sua mãe para ter participação especial da mãe da sua mãe, a mãe dos seus primos, talvez a mãe de algum amigo próximo, mas sempre com a presença de alguma filha da mãe que só sabia fazer um prato que se repetia em todos os encontros.
Por mais que a rainha-mãe-cozinheira tentasse harmonizar um cardápio sugerindo o que cada um traria para o almoço de Páscoa, a ceia de Natal ou o aniversário de uma tia-avó-Matusalém, o resultado era invariavelmente desastroso!
Tudo era novo e repetitivo: do pernil ou peru assado na padaria da esquina, ao tender com gosto de óleo diesel enfeitado com cravos e pêssegos em calda que brilhava mais que a careca do tio da sua mãe!
Tinha também o arroz com passas que alguma das mães presentes tinha orgulho da receita exclusiva criada por ela... Quase um segredo que iria ao túmulo, mas que era presença certa em qualquer mesa de festa na casa de qualquer mãe!
E o que dizer da maionese daquela filha da mãe???
Um composê de enlatados com muita batata cozida para dar volume, finalizado com maionese de vidro, maçã verde picada, e, é claro, passas!
E o mais triste para minha mente gulosa e infantil, é que era certo que fragmentos daqueles pratos, desesperadamente especiais, fariam parte do cardápio de casa pelos próximos dias, por que mãe que é mães, não joga comida fora, é pecado!
Vamos crescendo e geralmente o paladar permanece estático e revelador!
Dizer um “não gosto” era nossa forma de ir contra a tudo que a mãe tentava nos impor, de horários para chegar em casa ao boletim com boas notas!
Uma revolta gastronômica que domina toda adolescência, com raras exceções!
E certamente, eu era uma dessas exceções!
Segundo minha mãe, a única coisa que me atingia como castigo, eram as privações gastronômicas... e desde muito pequeno, só chorava quando o bolo caia no chão!
E hoje, o cozinheiro que me tornei, tenho como inspiração o que aprendi com minha mãe!
E com a mãe dos meus primos e de algumas mães escritoras, mas sempre uma mãe!
Quando falam em cozinha afetiva como tema do cardápio de um restaurante, o meu adolescente interno se revolta, pois afetividade na comida, cada um tem a sua e não pode ser tratada como uma estratégia de marketing.
A cena de Anton Ego na animação Ratatouille é a síntese do que é comida de mãe: o carrancudo crítico gastronômico viaja no tempo ao provar um prato simples, com o tempero da sua infância!
E nessa viagem, a imagem da mãe está no sabor!
Com esse texto, faço uma “brincadeira” que busca homenagear todas as mães que convivo, em especial a minha, que só convivo na memória... inclusive de sabores!
Feliz Dia das Mães!!!
Texto por André Vasconcelos
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Sobre o autor
André Vasconcelos
Cozinheiro raiz e autodidata, hoje no comando de sua Cozinha Singular Eventos e d'O Vilarejo Hospedaria e Gastronomia, onde insumos e técnicas são a base de cardápios originais e exclusivos... e aprendiz de escritor também!
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