“Por que tardas, Jatir?” por Luzia Almeida
Em tempos de incerteza, a espera se torna uma constante

O poema “Leito de folhas verdes”, do poeta maranhense Gonçalves Dias, tem muito a nos ensinar nestes dias. O verbo esperar, que estrutura o poema, como se fosse pão, tem toda a massa feita de tristeza, embora apresente passas e frutas cristalizadas de esperanças. É sob tristeza e esperança que caminha a humanidade, embora o brilho do sol aqueça, a cada dia, os telhados.
O eu lírico do poema apresentado um estado emocional apaixonado (próprio da escola romântica) e realiza um projeto de amor a partir da natureza: “Eu sob a copa da mangueira altiva / Nosso leito gentil cobri zelosa / Com mimoso tapiz de folhas brandas, / Onde o frouxo luar brinca entre flores”. A paixão do eu lírico o leva a esperar Jatir que não chega nunca, mas a negativa de Jatir, sua ausência, não altera em nada a paixão: “Sejam vales ou montes, lago ou terra, / Onde quer que tu vás, ou dia ou noite, / Vai seguindo após ti meu pensamento; / Outro amor nunca tive: és meu, sou tua!”. Temos uma entrega amorosa e uma espera incondicional.
Espera-se tudo nesta vida: esperava-se o carteiro com as notícias de amor e quando menos se esperava chegava um telegrama com notícias de desaparecimento. Mas, a vida sempre seguia mesmo sem whatsapp. Sem celular a vida concedia-nos os olhos nos olhos, mas hoje sem celular a vida fica retrógrada, fica aquém, fica desconectada. Será? Nem percebemos quando aconteceu essa paixão porque foi um processo e um processo tem seu tempo de aplicação... perde-se a noção do caminhar dos ponteiros e “Quando se vê, já são seis horas! / Quando se vê, já é sexta-feira! / Quando se vê, já é natal... / Quando se vê, já terminou o ano... / Quando se vê, perdemos o amor da nossa vida.”, como disse o Quintana. O tempo! O tempo! O verbo esperar sempre conjugado no presente: eu espero, tu esperas, ele espera. E as notícias de chegadas são sempre para os outros. Fitamos o trem que se aproxima numa parada obrigatória, descem as pessoas, menos “Jatir” que obstinado se recusa a chegar. A metáfora de Jatir se aplica a vários aspectos de nossas vidas. Quem é que nada espera? Espera-se neste dia, nesta semana, neste mês, neste ano: o feriado, o noivado, o casamento, a promoção...
Em algumas situações, de tanto esperar, os sonhos se revoltam e partem sem motivos para voltar como se verifica no poema “As pombas” de Raimundo Correa: “No azul da adolescência as asas soltam, / Fogem... Mas aos pombais as pombas voltam, / E eles (os sonhos) aos corações não voltam mais...”. E, assim, o verbo esperar torna-se uma companhia e perde o efeito de sugestão permanecendo inoperante. Mas, tirando o soneto do Raimundo, os sonhos estão diretamente ligados ao verbo esperar, principalmente os sonhos ligados a viagens: quando Lisboa, Roma, Paris, Madri acenam para nós fazendo-nos lembrar o poema de Gonçalves Dias e nos perguntamos: “Por que tardas, Jatir?”.
Lisboa é Jatir, a licença prêmio é Jatir, o carro novo é Jatir, a publicação do livro, a casa na praia, o próximo mês para verificar se o peso na balança diminuiu... tudo, tudo, tudo é Jatir ou quase tudo. O ser humano é interessante e interesseiro, está sempre rodeado de “Jatires”, mas os olhos estão sempre na esquina do verbo, com ansiedade controlada e o pensamento eterno em Jatir.
“Por que tardas, Jatir?”, às vezes, é até melhor que Jatir não venha e a esperança passa a ser um tipo de aroma doce como o bogari.
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Sobre o autor

Luzia Almeida
Luzia Almeida é professora, escritora e mestra em Comunicação
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