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RODRIGO SANTORO EM BERLIN DEFENDE CINEMA BRASILEIRO
ATOR COMEMORA BOM MOMENTO DO CINEMA BRASILEIRO E FALA COM EXCLUSIVIDADE SOBRE CARREIRA E A CHEGADA AOS 50 ANOS

Entrevista exclusiva de Rodrigo Santoro à Karin Verzbickas para o Imagem da Ilha (foto: Divulgação) *** CLIQUE PARA AMPLIAR

Publicado em 22/02/2025

 Um dia após a Avant Premiére do filme “O Último Azul”, aclamado na Berlinale, o Festival Internacional de Cinema de Berlim, Rodrigo Santoro nos recebeu no café do Hotel Lulu Guldsmeden, para um papo exclusivo. Falou sobre o bom momento do cinema brasileiro, sua carreira profissional e os desafios às vésperas de completar 50 anos de idade. Nessa manhã gelada, beirando os cinco graus negativos, ele disse que defender o audiovisual brasileiro está no seu DNA e enalteceu o trabalho do diretor Gabriel Mascaro, que dirige o filme que levou o Brasil para a mostra competitiva da Berlinale, concorrendo ao cobiçado Urso de Ouro. Resultado da premiação será amanhã e o Brasil está no páreo em mais uma grande vitrine do cinema internacional.

É verdade que você só assistiu ao filme pronto na Premiére da Berlinale?

Sim, vi pela primeira vez aqui, na telona. E que tela! (risos) Não fazia sentido eu ver o filme no Ipad que é a mídia que eu tenho aqui em Berlim. Eu gosto de ver filme no cinema. Filme é pra ver no cinema, ter a experiência do cinema. Achei que valia a pena esperar, acabei optando por ir pra coletiva de imprensa sem ver o filme e deu tudo certo. Foi emocionante!

 

Como foi perceber a reação do público aqui em Berlim?

Em geral, a resposta do público foi muito calorosa, foi aquela sessão de aplausos ao final que durava, durava, durava, e nunca acabava. Isso me emocionou muito. É uma honra estar aqui representando o Brasil na competição do Festival, acho que não tinha um filme brasileiro concorrendo ao Urso de Ouro há alguns anos. Vivemos um momento claramente potente do cinema brasileiro. Mesmo à parte das competições, temos várias produções brasileiras em Cannes, em Veneza, aqui em Berlim. Só aqui são 13 produções do Brasil sendo exibidas para o mundo. Isso é um orgulho. Veja o momento de aclamação do filme "Último Azul" em sua Avant-Premiere

 

E a que deve essa valorização do cinema brasileiro, na sua opinião?

Acho que é um processo de amadurecimento do Brasil como país. Fomos sempre vistos como o país do futebol e do Carnaval, o que sempre construiu um estereótipo do Brasil, uma caricatura... o Brasil é um país maravilhoso e que merece ser descoberto por toda a sua diversidade cultural e acho que o cinema é uma ferramenta poderosíssima para isso. E a prova é que estamos produzindo um cinema competitivo, um cinema que constantemente busca e descobre sua própria identidade cultural, que é reconhecido pelo mundo, mas o mais importante disso tudo é ser reconhecido dentro do Brasil. O mais emocionante é ver o público brasileiro prestigiando as produções nacionais, dando bilheteria e falando “a gente quer ver filme nacional, a gente quer ver filme feito pra gente e pela gente”. Isso pra mim é a maior vitória.

 

Você já disse em outras entrevistas que a sua missão é defender o filme brasileiro. No Brasil e no mundo. É isso mesmo?

É o meu DNA. Eu começo cinema com  “Bicho de Sete Cabeças”. Esse filme tinha algumas latas, na época da película, de pura precariedade.  Mas ele carregava muita vontade, muita paixão e muita urgência pra se contar uma história que precisava ser contada. O cinema nasce pra mim dessa forma. E, “O Último Azul” confirma pra mim que ele é o tipo de cinema que eu sempre retorno e que nunca deixei, é o tipo de cinema que eu acredito: o cinema autoral, da entrega, da história, das personagens, do mergulho, de realmente encontrar formas de humanizar histórias importantes. O cinema é uma ferramenta de transformação. E esse é o meu tipo de filme e fundamental para minha sobrevivência enquanto artista.

 

Mas você já fez outras opções?

Sim. Isso não quer dizer que eu não possa fazer um mainstream, em Hollywood, em uma série na Espanha, o que for, mas eu continuo me interessando por personagens e histórias brasileiras. Eu não me mudei para os Estados Unidos, eu não estou lá fazendo uma carreira.

 

No entanto você foi pioneiro na sua geração ao se lançar no mercado americano?

Fui sim. Eu não me lembro de ter um amigo pra conversar quando estava lá (risos). E era um momento antes do streaming, né? Antes mesmo da globalização. Um momento que era sistema de estúdios, personagens absolutamente estereotipados, mas foi um aprendizado muito grande pra mim.

 

Você está fazendo 50 anos neste mês. Hoje você se permite escolher o que fazer?

Olha, essa coisa de escolher sempre esteve conectada com a minha escuta interna. Quando eu vou tomar uma decisão, obviamente tem a experiência que te ajuda, é com base nela que você calcula se vai funcionar e se vai te fazer feliz. Mas tem uma outra questão, que é a coisa do instinto, que você só sente quando lê o roteiro, aquilo que você fantasia e também mede com quem vai trabalhar, com qual diretor. Esse foi o caso de “O Último Azul”, que eu queria muito trabalhar com esse diretor excepcional que é o Gabriel Mascaro. Mesmo fazendo só uma participação.

 

Te incomoda não ser o protagonista do filme?

Absolutamente. Eu não escolho o filme por protagonismo, por quem vai estar no poster, quem vai aparecer. Não faço questão. Não é pra isso que faço cinema. Nesse filme, meu personagem faz uma participação e a protagonista é a Denise (Weinberg), aliás, maravilhosa, excepcional! Eu escolho aquele personagem que, quanto mais distante da minha realidade, mais me atrai. Eu quero mostrar uma outra realidade.

 

Neste filme vocês estão apresentando um Brasil que até mesmo o brasileiro desconhece...

Exato. E nem eu conheço. Aí está a graça. Eu quero descobrir esse Brasil profundo, quero expandir minhas fronteiras e conceitos, quebrar preconceitos que eu mesmo tenha. Também quero expandir meu olhar, porque é assim que sinto que eu vou crescendo e consigo trazer para o próximo personagem, senão, como ator, você fica estagnado. Eu não aceito papéis porque o personagem é protagonista, ou bonito ou porque estão pagando bem. Não. Eu quero fazer personagens que me comovam, eu sou movido a paixão. Eu quero estar em filmes que tragam temas importantes, porque eu quero aprender ou me aprofundar neles. Isso me engrandece como artista e como ser humano. E é só isso que eu busco.

 

"O filme Último Azul confirma pra mim que ele é o tipo de cinema que eu sempre retorno e que nunca deixei, é o tipo de cinema que eu acredito", diz Santoro (foto: Divulgação/filme "Último Azul")

 

E sobre o tema desse filme, que fala tanto sobre etarismo, num Brasil distópico. Você acha tão distópico assim?

Absolutamente. Não é sobre isso. É um Brasil sem data. Pode ser passado, presente, futuro. Já o tema etarismo é tratado como uma questão que está acontecendo em todo o mundo, não só no Brasil. Nós, infelizmente, temos hoje uma sociedade que é orientada pela produtividade, o ser humano é julgado pela sua performance, o algoritmo te diz o que funciona e o resto é descartado, não tem valor... e o idoso se insere nisso como, no máximo, sendo um conselheiro. E na verdade ele tem direito de sentir, de sonhar, de realizar desejos. E o que a gente vê é uma desumanização do indivíduo. 

 

Mas você não acha que esse filme, apesar de focar nas questões do idoso, diz muito também sobre o jovem que deixa pra viver a felicidade depois?

Sem dúvida. E você pega a questão da beleza, por exemplo. A beleza está sempre associada à juventude, como se a passagem do tempo fosse um castigo e algo sem valor ao final. Mas envelhecer é parte do processo de qualquer ser humano e é lindo, apesar de ser duro. Assim como a vida é linda, apesar de ser muito dura. Então, a aceitação desse processo e encontrar beleza no caminho é fundamental para nossa saúde enquanto humanidade. Nós precisamos mudar esse olhar, não é creme antienvelhecimento que a gente precisa, mas é um pensamento pró-envelhecimento. 

 

E como foi sua experiência de filmar na Amazônia?

Eu sempre quis conhecer a Amazônia. De dentro. E esse filme tá dentro dela. Me permitiu estar imerso nessa realidade amazônica. Eu fiquei por dias num Igarapé, cheguei bem antes da filmagem para fazer laboratório e, depois das gravações, fiz questão de trazer minha família para subirmos o rio Negro juntos, conhecer a realidade das comunidades ribeirinhas, entender sobre a botânica, as árvores... foi um mergulho incrível com a minha esposa e as minhas duas filhas. Minha filha mais velha, que conhece muita coisa no mundo inteiro sempre diz que foi a viagem mais incrível que fizemos em família. Conhecemos um Brasil que não sabíamos que existia.

Karin Verzbickas, de Berlim para o Imagem da Ilha


Sobre o autor

Karin Verzbickas

Jornalista conhecida por suas resenhas de filmes no Jornal Imagem da Ilha


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