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O legado poético de Carlos Damião

Jornalista e poeta, Carlos Damião tinha grande bagagem cultural e um conhecimento profundo da cidade (Foto: Divulgação) **Clique para ampliar

Publicado em 22/11/2022

A imprensa catarinense perdeu um dos seus expoentes. A morte no último dia 17 do jornalista e poeta Carlos Damião Werner Martins, o Damião, entristeceu familiares, colegas de profissão, leitores e amigos. Ele foi vítima de um infarto fulminante, sozinho, em seu apartamento no Centro de Florianópolis. Há quatro anos havia sofrido um AVC. Enfrentava problemas com a visão que o dificultava a trabalhar, pois não conseguia ler e escrever com a habilidade de outrora. A Missa de Sétimo Dia será celebrada nesta quarta-feira, 23, na Catedral Metropolitana de Florianópolis em dois horários, às 12h e às 18h. “Ele viveu e amou intensamente, teve muitos amores, namoros, muitas paixões”, descreve a família numa rede social.

Damião fez história nas redações. “Convivi com ele desde os tempos de O Estado. Foi um jornalista questionador, um excelente repórter, com um texto perfeito, já que tinha grande bagagem cultural e um conhecimento profundo da cidade. Acima de tudo foi um colega amável, um sujeito educadíssimo e um chefe compreensivo”, afirma a presidente da ACI (Associação Catarinense de Imprensa), Déborah Almada. “O Damião era daqueles jornalistas formados pela velha escola, com uma visão idealista da profissão. Um repórter nato. E um poeta sensível. Vai fazer muita falta”.

O “poeta sensível” apontado por Déborah era, talvez, sua face menos conhecida do grande público. O sentimento poético  do jornalista alimentou livros como “Força de Expressão” (1984), “A Palavra Imediata” (1987), “Dons” (1994) e “Alquimia da Paixão” (1995). “Que teus poemas sejam cânticos no caminho espiritual”, disse o jornalista Marcelo Passamai ao se despedir do amigo.

A obra poética de Damião pode ser encontrada hoje em bibliotecas particulares e públicas, e adquirida em sites como o Estante Virtual. A jornalista Néri Pedroso guarda os livros que tem, autografados pelo autor, como tesouros. O Imagem da Ilha teve acesso aos exemplares e deles extraiu seis poemas, os dois primeiros de “Alquimia da Paixão” e os demais, de “A Palavra Imediata”.  

 

NÃO SE MUDAM OS JARDINS

Para Ana Bessa e Mário Pereira
 

Não se detém a palavra

Nem quando lhe falta a expressa

Tradução

Um tempo de paz.

Não se mudam os jardins

Nem quando faltam folhas

Para tingir o espanto

 

SALTO DA SAGRAÇÃO


Conduzo a palavra

Como a asa que me falta

À direita

E como os pés que tocam

Tuas nuvens de algodão

Conduzo a palavra

Viajante

Pela manhã de espera em que te

Ocultas,

Como um gato sobre a pedra inerte

Pronto para o salto da sagração

 

PALAVRA MÍNIMA

Para Cleber Teixeira


A palavra persiste

Sagaz

Persegue emblemas

Arrisca abismos

Assombra os

Mares.

Palavra

Mínima palavra minha:

Fragmentada

Temporal

Plural e feminina

Quintal e fruto

Matéria e sombra

Dialética do

Sonho.


PARAÍSO


O paraíso é aqui mesmo,

Ouvindo

Rhapsody in Blue

A mão tocando

O impossível,

Cortando os ruídos

Graves/agudos

 

TRAPEZISTA


Colho as palavras

Como quem,

Do trapézio,

Colhe o ar

 

TRATADO
 

Não tenho a intenção

De cruzar um oceano

E declarar-te

Guerra

(tampouco violentar tua

Essência)

Quero tão-somente

Beber do teu mar

 

SOLIDÃO CONTÍNUA


O gume da faca

Virado para cima,

Um copo vazio sobre

A mesa,

A janela

Aberta

A TV ligada

A solidão é

Irresistível

 

Texto escrito por Urbano Salles