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A passageira de Schwentke, por Luzia Almeida
Entre metáforas e emoções, o amor materno assume formas de resistência e coragem que ultrapassam os limites do cotidiano

No cinema ou na literatura, o amor materno se revela em sua forma mais poderosa: a luta pela vida dos filhos, com garras afiadas e fé inabalável. (Foto: Pixabay)

Publicado em 09/05/2025

          O filme “Flightplan” (Plano de Voo) lançado em 23 de setembro de 2005 nos Estados Unidos, sob a direção de Robert Schwentke, lança luz sobre um aspecto notório da maternidade: o amor. A personagem Kyle Pratt interpretada por Jodie Foster ilustra esta forma de amor sem limites pela filha, a pequena Júlia, desaparecida em pleno voo. Parece comum. Mas não é bem assim: o amor exige força física e espiritual. O mesmo amor materno também se observa no conto intimista “Natal na barca” de Lygia Fagundes Telles publicado em 1970 na coletânea Antes do Baile Verde. O conto revela uma doce mãe conformada com sua precária situação. Ela sofre demasiadamente a perda do filho primogênito e viaja numa barca com a intenção de levar o filho caçula ao médico. São duas mães amorosas: uma onça e uma pomba.

          A metáfora da onça é interessante, principalmente, por conta da expressão: “Ela virou uma onça”. Sabemos do que é capaz uma onça. No filme, a passageira Kyle Pratt dorme, acorda e verifica que a filha de seis anos sumiu. Pronto! Aí começa sua batalha, porque ela tem que provar que sua filha estava no avião. Mas ninguém viu Júlia. A dificuldade da busca da pequena passageira não é simples, porque primeiro ela tem que provar que a menina existe, depois tem que encontrá-la e salvá-la de um plano criminoso elaborado pelo agente Carson (também passageiro). Provar que a filha existe, é difícil. Ninguém se importa. Ela parte para a luta em busca da filha como se fosse Hércules. Será que Hércules conseguiria encontrar e salvar a menina? Duvido muito! Mas Kyle Pratt é mãe antes de tudo. Mãe fora e dentro do avião. Ela não tinha outra opção. O tamanho de seu esforço é medido por sua determinação, inteligência e coragem. De acordo com Drummond: “Mãe não tem limite”. Por pouco, ela não pôs o avião abaixo.

          A metáfora da pomba é pertinente por conta do aspecto da resiliência e da espiritualidade. A passageira de Telles, que viaja numa barca, vai contando pra outra passageira (narradora-personagem) seus infortúnios domésticos. O marido abandonou-a, o primeiro filho morreu: “Subiu no muro, estava brincando de mágico quando de repente avisou, vou voar! A queda não foi grande, o muro não era alto, mas caiu de tal jeito...”. A outra que estava ouvindo a história, mas que não queria conversar com ninguém, reflete sobre sua própria indiferença: “Levantei-me. Eu queria ficar só naquela noite, sem lembranças, sem piedade. Mas os laços — os tais laços humanos — já ameaçavam me envolver”. A construção do enredo apresenta duas mulheres muito diferentes no que se refere à fé. Uma é religiosa e a outra não é afetiva, mas é muito difícil ficar indiferente à dor do próximo. Uma está com o filho caçula nos braços, ele está doente e ela vai pacientemente buscar ajuda na cidade. A outra afirma:

          “—A senhora é conformada.

           — Tenho fé, dona. Deus nunca me abandonou.”

          As metáforas da onça e da pomba são pertinentes no contexto social atual. As mães precisam afiar suas garras e seus joelhos para defender seus filhos dos pedófilos, dos traficantes, dos corruptos em geral. Amor sem limites na proteção dos filhos não supõe apenas um sentimento meigo. Amor é bem mais que sentimento. Amor é atitude. É luta. Amor é fé.

 

 

 

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Sobre o autor

Luzia Almeida

Luzia Almeida é professora, escritora e mestra em Comunicação


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